segunda-feira, 23 de dezembro de 2013
O carrossel dos dias
terça-feira, 26 de novembro de 2013
Emiliana Torrini
sexta-feira, 22 de novembro de 2013
O que eu faço por chocolate à sexta-feira
A ideia é: Acho que mereço um chocolate.
Abro o porta-moedas para contar as moedas.
Oh, que chato, afinal não tenho moedas para ir à máquina.
Nice!
Afinal esqueci-me do cartão de identificação. Sem cartão de identificação, não dá para sair do café, por isso volto para trás.
1, 2, 3 e por aí fora até ao 10.°. Onde é que ele está? Talvez no bolso do casaco.
Aaah, cá está ele. Agarro-o pelos colarinhos, regresso à cafetaria.
10, 9, 8 até ao chão.
Afinal a cafetaria está fechada.
Suspense. Dobro a esquina.
Maravilha! A papelaria está aberta.
Fico 10 minutos indecisa. Este assim com noisettes ou aquele com pistaches fraîches? Mousse de café ou praliné croustillant?
E se levar todos?
É melhor não.
Decido escolher os dois melhores e depois o melhor dos dois, sempre facilita a escolha. Fico com o de noisettes e o de praliné na mão.
Escolho o de noisettes.
Vou pagar, sorrisinho no canto da boca.
Aviso ao balcão: "Multibanco não funcemina"
What?
Não há nada a fazer, por isso desisto.
Devolvo o chocolate à prateleira e regresso ao gabinete. 1, 2, 3 até o 10.°.
Penso: "É da maneira que ando de um lado para o outro e poupo em calorias."
Parece que até já me sinto mais ágil, estou cheia de ganas de traduzir o resto do documento.
Olhem para mim a trabalhar com afinco.
Eu não preciso de chocolate para nada.
Nem sequer gosto de chocolate.
Nunca gostei.
Blaaargh! Que enjoo!
Há gente que não passa sem chocolate.
Não compreendo.
segunda-feira, 18 de novembro de 2013
A letra morta das canetas
Isto incomoda-me bastante, sobretudo porque me morrem sempre nas mãos, às vezes mancham-me os dedos, é aborrecido.
Mas não há como provar isso.
E em terra de canetas, quem sabe escrever é rei.
sexta-feira, 15 de novembro de 2013
Yáááá Bogotáááá
[O giroflé aqui é banda sonora para rotativos.]
[Sei lá... Apeteceu-me.]
quarta-feira, 13 de novembro de 2013
Jornal de Letras - Viagem no tempo e no espaço
quinta-feira, 7 de novembro de 2013
Albert Camus
quarta-feira, 30 de outubro de 2013
Amor ortográfico: Notas peganhentas
terça-feira, 29 de outubro de 2013
Karateca na Kolômbia
Clicar na imagem para ficar mais maior grande:
Mais informações sobre o 7° Festival de Libros para Niños y Jóvenes aqui.
sexta-feira, 25 de outubro de 2013
Amanhã, o fim de Portugal em Bruxelas
Conversa sobre o fim de Portugal com o autor Pedro Sena-Lino.
http://www.wook.pt/ficha/despais/a/id/14922725
Livraria Orfeu
43, Rue du Taciturne - 1000 Bruxelas
terça-feira, 8 de outubro de 2013
Desfiladeiro em pessoa
quarta-feira, 25 de setembro de 2013
Jovens Criadores 2013
quarta-feira, 18 de setembro de 2013
quinta-feira, 15 de agosto de 2013
Narrador omnisciente
O narrador omnisciente andava amuado com aquela coisa da literatura. Ultimamente até ler livros o aborrecia. Começava a ler um texto com a perspetiva de que ia chegar a meio do texto e depois ao fim do texto para poder começar a ler outro texto. De tão previsível, a leitura começou a dar-lhe muito sono e o narrador omnisciente acordava a meio da tarde com um fio de baba que ia do lábio inferior até ao sofá.
E depois não era só isso. Escrever, verdade seja dita, também não era propriamente um desporto radical, nem sequer uma viagem pelo desconhecido. Escrever era só uma atividade de ficar sentado muitas horas a entrelaçar uma coisa que nem era a sério. Era como fazer tricô, embora de uma forma menos verdadeira, porque no final não ficava com um cachecol para o proteger do frio.
Acresce a isto que o narrador omnisciente já sabia tudo e mais alguma sobre as suas personagens e candidatos a personagens. Se comiam pão com queijo, se dobravam as meias assim ou assado, se gostavam de falar ao telefone, se alguma vez tinham atropelado um gato, se transpiravam das mãos, se tinham um tique nervoso, etc, etc, aquelas coisas dos seres humanos. Tudo sabia o narrador omnisciente e isto, apesar de extremamente valioso para a sua posição confortável de domínio psicológico sobre as personagens, a certa altura tornava-se um bocado entediante e a paixão pela coisa literária esmorecia, ficava assim pequenina e muitas vezes nem se dava por ela, era só um pesar incomodativo como, por exemplo, uma dor no rabo.
Isto da dor no rabo vem a propósito porque o narrador deste texto andava precisamente com uma dor no rabo de tanto estar sentado. Certo dia, o narrador omnisciente, cansado de viver dentro de palavras enclausuradas em textos, desamuou, saiu da casca e foi para a rua passear, coisa que já não fazia há bastante tempo. Caminhava de mãos atrás nas costas como se estivesse de asas recolhidas e a certa altura, precisamente por não ter asas, tropeçou, estatelou-se no chão e partiu um dos últimos dentes, os lábios incharam como balõezinhos. Mas pronto, já se sabe que os narradores omniscientes, justamente por estarem convencidos de que a sabem toda, são desavisados. O narrador voltou para casa com os seus lábios-balão e tirou o Guerra e Paz da prateleira de cima.
Era um livro bem grande.
Sempre dava para exercitar os braços.
domingo, 11 de agosto de 2013
Orange marmalade
segunda-feira, 15 de julho de 2013
Um pombo morto
quinta-feira, 11 de julho de 2013
Líricos, porcos e rascos
terça-feira, 9 de julho de 2013
Um homem zangado
Abrem-se as cortinas. Entro no elevador.
Um homem muito zangado entra logo a seguir. Fecham-se as cortinas.
Conheço este homem há anos, mas só de vista.
Não sei como se chama nem o que faz. Sei que é italiano e agora também sei que trabalha no nono andar, porque o senhor carrega no botão com o bonequinho 9.
Eu olho para o colega zangado, mas ele não olha para mim, porque a minha existência é toda ela insignificante e o homem está zangado com a vida em geral e com a minha existência em particular. Olho para o senhor outra vez e ele dá um toque de sobrancelhas género: Nunca viste, ó?!
Eu nunca vi pessoa tão zangada como este colega. É uma pena este senhor andar tão insatisfeito, parece-me um desperdício de paisagem protegida. É que este italiano é uma paisagem natural bem bonita de se ver, tem uns olhos grandes e azuis para dar uns mergulhos no verão e uns ombros largos que devem fazer boa sombra. Assim, a olho nu, não tem propriamente razão para estar tão insatisfeito, até porque as pessoas zangadas costumam ser muito feias. Eu, por exemplo, se fosse muito feia, também andava para aí zangada. Deve ser chato ser muito feio.
Eu e o colega italiano voamos juntos, lado a lado. O colega não diz Bom dia!, mas eu não levo isto a peito. Parece-me na verdade bastante coerente, tendo em conta o perfil deste ser humano zangado: nenhum dia é um bom dia. São todos péssimos, uns atrás dos outros, não há dia que se aproveite. Eu também não digo Bom dia!, só mesmo porque sou mal-educada. Eu e o homem zangado voamos em silêncio, não olhamos um para o outro. É como se um de nós não existisse. Ou eu ou ele, não sei bem.
O homem olha-se ao espelho e ajeita a gola da camisa. Eu olho para os meus pés, porque os meus pés são realmente impressionantes e estas sandálias são qualquer coisa.
0, 1, 2, 3, 4, 5, 6 andares. As cortinas abrem-se e eu saio. O homem carrega imediatamente naquele botão assim -><- de fechar as cortinas rapidamente, porque a vida são dois dias horríveis e não há tempo a perder. As cortinas fecham-se abruptamente. Eu fico triste e zangada com o homem zangado.
O colega italiano deve ganhar sempre o jogo do sério: nunca se ri. Vejo-o muitas vezes aqui e ali: na cantina, na cafetaria, nos corredores, no elevador. Nunca está contente. Quando fala com alguém atira os olhos azuis para dentro dos olhos do interlocutor e já não sai mais dali: refila, refila, refila, todo curvado para a frente e agarra o interlocutor pelo braço, dá-lhe palmadas nos ombros.
Uma vez, aqui há uns anos, estivemos na mesma turminha de neerlandês e o colega zangado não andava só zangado com a língua neerlandesa. Andava furioso. A professora dizia: A regra, neste caso, é assim. E ele respondia: Isso não faz sentido. A mim dava-me para rir, mas o colega zangado não se ria. Dava-me um toque de sobrancelhas do género: Não tarda, levas! E eu ria-me na mesma, porque gosto de correr riscos.
É mesmo uma pena este colega andar mal com a vida, porque o senhor tem grande potencial para um intervalo coca-cola light bem passado. Mas assim não vai dar. Aliás, por esta altura, o homem zangado deve ter imensos problemas de costas, porque anda sempre muito tenso e isto agora já não vai lá com uma massagem nem com um banho de imersão.
Ficamos todos a perder com a zanga deste homem.
Eu pessoalmente já perdi vários intervalos bem passados.
Uma chatice.quinta-feira, 4 de julho de 2013
Um desenho espectacular
- Faz.
- Mas mesmo espectacular.
- Sim.
- Assim muita difícil.
- Faz.
- O que queres que eu desenhe? Pode ser o que tu quiseres! Pensa bem...
- Hmmmm... [O Rodrigo pensa.]
- Mesmo o que tu quiseres!
- Um esgoto!
- Um esgoto?!
- Sim, um esgoto. É difícil!
- Não é, não!
- É é!
- Vou fazer. Olha um esgoto.
- Isso não é esgoto!
- Não?!
- Não. Isso é uma ventania!
- Pois é. Vou então fazer um esgoto.
- Não! Faz uma ventania.
- Mas eu já fiz uma ventania!
- Faz outra!
- Outra ventania?
- Sim. Ou então um cocó.
- Um cocó?!
- Sim, faz um cocó. É fácil!
- Achas?
- Sim.
- Sabes fazer?
- Sei.
- Como é que é?
- É assim. [O Rodrigo desenha uma linha na horizontal.]
- Isso é um cocó?
- Sim. É fácil!
Blogueira belga
sexta-feira, 21 de junho de 2013
O dia mais longo do ano
Mas eu também nunca quis ser diferente. E hoje tenho ainda mais tempo para ser igualzinha às outras.
terça-feira, 11 de junho de 2013
Espécie animal
Num planeta pequenino com sede num sistema solar de várias estrelas multicolores situado a um milhar de bilião de anos-luz do planeta Terra, que é basicamente um número um com dezoito zeros à frente, há vida.
Sim, vida.
Vida mesmo.
Daquela de viver e estar na vida a fazer coisas com as mãos e os pés e numerosos orifícios aqui e ali.
Mas uma vida diferente da nossa. Uma vida muito simples constituída por uma única espécie animal e numerosos vírus e bactérias minorcas e ainda muitas espécies vegetais que se encontram, coitadas, em vias de extinção, porque a espécie animal se alimenta precisamente das espécies vegetais que demoram séculos a crescer (séculos mesmo), mas não sabe cultivar a terra. Portanto, esta espécie animal também se encontra em vias de extinção, embora não saiba disso, porque é uma espécie estúpida sem sapiens na sua designação latina.
A espécie animal é composta por quarenta e um indivíduos que parecem crocodilos, mas têm pernas longas que acabam numas garras grossas, uma cabeça de periquito, uma tromba de elefante, uma juba de leão, uma cauda peluda de animal peludo, duas antenas no cocuruto e umas asas nas costas. Têm também a particularidade de andarem de lado como os caranguejos e de olharem também assim de lado, o que pode ser perturbador para nós, que olhamos sempre de frente (sempre), mas é extremamente aceitável para a espécie animal deste planeta pequenino a um milhar de bilião de anos-luz.
Um dia destes conto-vos uma história sobre esta espécie extremamente interessante e estúpida, porque muito claramente já ando fartinha de seres humanos sapiens sapiens com jubas de seres humanos e tiques de seres humanos.
Além disso, confesso que também gostava de laurear a pevide noutro planeta de outro sistema solar de outra galáxia.
Só assim para variar.
quinta-feira, 30 de maio de 2013
Domingo, na Feira do Livro de Lisboa
A karateca chegou finalmente a Livro do Dia!
A karateca está tipo em saldos. É que sinceramente já cansa...
Parece aquelas mochilas Monte Campo.
Tipo, TODA A GENTE TEM UMA!
Obrigada à Sara, que fez esta fitinha azul.
E peço perdão à dama aflita a quem arrebatei a imagem.
quarta-feira, 29 de maio de 2013
Em PAX no IKEA
Mia Couto
sexta-feira, 24 de maio de 2013
E agora...
quinta-feira, 23 de maio de 2013
Irmão Lobo - Convite
A karateca anda por aí aos pontapés.
E agora é a vez do Irmão Lobo abanar a cauda.
Eu cá já tenho um exemplar.
Sou colecionista.
quarta-feira, 22 de maio de 2013
Uma senhora nas urgências III
- Madame não-sei-quê?
- Sim, sou eu.
- Sou o médico YZ.
- Sim.
- Está numa cadeira de rodas?!
- Como?
- A senhora está numa cadeira de rodas?!
- Sim.
- Mas porquê?
- Foi o enfermeiro que me deu esta cadeira, não sei.
- Mas não consegue andar?
- Consigo.
- Ah, estava a ver!
- ...
- Bom, não sei se vai compreender o que lhe vou dizer…
- Compreender?
- Bom, não sei se consegue reter alguma informação neste momento.
- Informação?!
- Sim, por causa do choque e assim… Vamos então para esta sala aqui ao lado, por favor.
- É preciso ir para outra sala?
- Sim, é melhor. Como deve perceber, não lhe trago notícias excelentes.
A senhora e o médico saem de cena. Pas d'excellentes nouvelles.
Há semanas que a narradora deste texto anda a pensar na senhora das urgências, no seu dedo indicador. Na sua voz.
Estamos cá sozinhos.
Realmente...
Sozinhos…
terça-feira, 21 de maio de 2013
Uma senhora nas urgências II
- Está sozinha?
- Como?
- Se está sozinha...
- O meu marido está lá dentro.
- Eu sei, eu sei, mas não tem família?
- Sim, tenho, mas não é uma família grande… É pequena...
- Tem família aqui em Bruxelas?
- Aqui em Bruxelas? Não, não tenho…
- Ah, c'est dommage.
- Sim, é… Mas porquê? Por que me está a perguntar isso?
- Bom, é sempre mais agradável ter a família perto de si nestas situações.
- Sim, seria mais agradável, mas…
- Mesmo para socializar.
- Para socializar?
- Sim. Seria importante para si.
- Pois, talvez… Tenho cá um cunhado!
- Um cunhado?
- Sim, irmão do meu marido. Mas não tenho estado com ele...
- Ele está cá em Bruxelas?
- Não, mas vive cá na Bélgica.
- Ah…
- Mas de resto, não. De facto, não... Estamos cá sozinhos. Realmente... Sozinhos…
segunda-feira, 20 de maio de 2013
Uma senhora nas urgências I
Meia dúzia de pessoas na sala de espera, à espera de qualquer coisa. Uma espera longa, de ouvir passar o tempo. A narradora, dada a sua natureza narrativa, não aguentou muito tempo no seu lugar e pôs-se a caminhar pela sala. Três-quatro passos para lá, três-quatro passos para cá. Reparou então na senhora da cadeira de rodas. Uma senhora de vestido e colar de pérolas, o cabelo grisalho e muito composto, metido num carrapito. Uns brincos de brilhar no escuro. Dir-se-ia que a mulher se tinha aperaltado para vir às urgências. Para impressionar os médicos. Não parecia magoada nem inquieta. De súbito, os olhos da mulher olharam para os olhos da narradora. Um olhar de reconhecimento. De ver alguém a ver. A narradora sorriu e a senhora também. Um sorriso triste e cansado. De sala de espera, a ouvir passar o tempo.
quinta-feira, 16 de maio de 2013
O céu serve para ter nuvens
É que não se ouve mesmo.
Eu, pelo menos, não ouço nada.
Tirem-me desta chuva.
terça-feira, 14 de maio de 2013
Seasick Steve
De trator?!
Sim, de trator.
De preferência, com o Seasick Steve.
Ou então ao som de Seasick Steve, que toca guitarra e bate com o pé no chão.
Gosto.
É um americano como outros, mas não é um americano como outros.
Começou com nada e ainda lhe sobra quase tudo.
Em dias azulados (blues), ouço Seasick Steve e também bato com o pé no chão.
terça-feira, 7 de maio de 2013
A casa (VIII)
Só eu, o balde e a sabrina. Se eu falasse, a minha voz faria eco, mas eu não falei.
Lavei só o chão. Depois fechei a porta.
Dentro do meu bolso, um porta-chaves sem chaves. Um porta-chaves que é uma casa fofinha.
Uma casa dentro do bolso.
Quando cheguei cá abaixo, olhei para ela. A casa olhava para mim de janela aberta.
Malandra!
Quem, eu?
Não, a casa!
De janela aberta.
Agora já não há nada a fazer.
Não tenho chaves. Não vai dar para fechar a janela.
Paciência.
Não foi por mal.
Foi, foi.
Não foi, não.
Foi esquecimento.
O esquecimento é um mal menor.
É, não é?
É.
Os nossos nomes na caixa do correio. Pas de publicité!
Depois virei as costas e fui-me dali. Com o Homem Ilimitado.
Ele sim, uma casa.
Bons alicerces.
Não há lobo mau que o derrube.
segunda-feira, 6 de maio de 2013
À espera do autocarro
O melhor da vida é esperar por um autocarro.
Olho à volta para contemplar melhor a espera. A moçoila de cabelo enrolado num novelo deve estar à espera do 38, só pode.
Eu gostava de enrolar o meu cabelo num novelo, mas não sei enrolar o meu cabelo num novelo. Há muitas coisas que eu não sei fazer.
Também não sei andar direitinha dentro de uma gabardina direitinha como este senhor que deve estar à espera do 95. É com certeza trabalhador por conta de outrem e não gosta do que faz, coitado. Acontece. A vida, às vezes, é chata.
A senhora bruta e gorda com caspa nos ombros deve ser do 27. Tem pelo menos cinco filhos, dois frigoríficos, duas máquinas de lavar roupa e um marido que nem se vê bem ao perto.
Há ainda mais pessoas na paragem. Três, sete, dez, somos uns quinze.
Três equipas de pessoas à espera.
Esperar é bonito de se ver. Ninguém sabe estar parado como as pessoas da paragem.
Hoje, jogo na equipa do 95, porque enfim, gosto de torcer pelos fracos.
O 95 é sempre o último a chegar.
Estou a comer amêndoas, não sei porquê. Deu-me para aí. Estavam à venda num supermercado dentro de um saquinho engraçado. São amêndoas a sério, não são das outras, a fingir. As amêndoas da Páscoa, por exemplo, são a fingir.
A Páscoa já acabou há montes de tempo e as lojas belgas continuam a vender ovinhos da Páscoa e coelhinhos da Páscoa e amêndoas da Páscoa. Com 50% de desconto.
Aaaah, finalmente! Uma coisa grande no horizonte, aos solavancos. Qual é coisa qual é ela.
É um autocarro, claro.
O 27, mais precisamente. A senhora com caspa nos ombros está contentinha, não me enganei. A senhora bruta joga no 27, pega nos sacos com garra. O 27 vem sempre apressado, não há tempo a perder. Logo a seguir, outra coisa monstra no horizonte. O 38. É mais pachorrento. As equipas do 27 e do 38 desaparecem, é sempre assim.
Nós, os do 95, ficamos sós e abandonados na paragem, a inalar o fumo e o pó e o perfume e o pólen que os felizardos deixam para trás.
Estou impecavelmente parada e olho à volta para usufruir da espera. Dois adolescentes mascam pastilha. Gostava de pedir uma pastilha aos adolescentes, mas tenho medo deles. Ainda me espremem uma borbulha para cima e depois tenho de ir à farmácia comprar antídoto.
A adolescência pega-se.
Olhos postos no fundo da praça, uma espécie de horizonte. Os que fumam acendem cigarros, na esperança de enganarem o destino. Os que não fumam fazem outras coisas. Mexem no telemóvel, comem amêndoas, consultam o horário, olham para o relógio. O 95 já devia cá estar e não está. O 95 não vale um. Está muito atrasado, se calhar não vem. Paciência, não faz mal, há de vir o seguinte ou o outro a seguir.
Há autocarros de 6 em 6 minutos. Qual é o stress?
Nenhum, não há stress nenhum, a espera é longa e previsível. A espera é como a vida.
Não, não é.
Sim, é.
Não, não é.
A vida, às vezes, é chata. A espera não.
Eu gosto de esperar.
Um autocarro chega, mas não é o desejado, é o 27. O 27 é injusto. Passou um ainda há pouco. O autocarro pára e as pessoas entram, ainda bem. Eu só quero o bem das pessoas. Ide em paz.
A equipa do 95 bufa em uníssono. Já não sou uma estátua. Agora caminho de um lado para o outro. Dois passos em frente, um para trás. Rodo na pata traseira, mais dois passos em frente. A manada do 95 deve estar ali há coisa de 15 minutos.
Ao longe, no horizonte que é o fundo da praça, outro autocarro à vista. Os que não são míopes já perceberam que é o 95 e avançam com as suas malas e mochilas e pastas e saquinhos. Os míopes apercebem-se agora e avançam também. O autocarro pára e abre as portas, é um autocarro acolhedor.
Não, afinal não é um autocarro acolhedor. O autocarro vem cheio, não há lugar para todos.
Algumas pessoas respingam, há uns buraquinhos ali e acolá. As pessoas, se fossem gente, apertavam-se mais um bocadinho e cabíamos todos. Mas as pessoas não são gente.
As pessoas não valem um.
Os mais magrinhos e atrevidos conseguem entrar. Os mais gordos e tímidos não. O condutor consola os meninos gordos e tímidos com um sorriso. Diz: Não se preocupem, vem outro já aí atrás!
Os mais gordos e tímidos ficam na paragem. Eu e os dois adolescentes.
Entreolhamo-nos. Tantas borbulhas, credo.
Penso noutra coisa.
Penso: Antes não gostava tanto de amêndoas, que engraçado.
E de novo se instala a paciência da espera e também a impaciência da traição, porque não vem um 95 já aí atrás. Não vem nenhum 95, ponto. Em dez minutos, passam dois 38 e um 27.
Os jogadores da equipa 95 chutam pedrinhas, porque estão zangados. No entanto, não arredam pé. Ficam ali, à espera. Esperar por um autocarro é um ato de esperança.
Quem nunca esperou por um autocarro não sabe o que é a vida.
Esperar enrijece. Eu, pelo menos, estou mais rija, olhem para isto. Pareço uma pedra. Para a próxima entro no autocarro e levo tudo à frente.
Vão ver.
Estou aqui bruta como as casas.
quinta-feira, 2 de maio de 2013
No outro dia ajudei um homem cego.
quarta-feira, 17 de abril de 2013
Karateca na Kolômbia
O pontapé de lançamento será já mañana, pelas mãos (e pelos pés) de Bernardo Carvalho e Jerónimo Pizarro.