amanhã não tenho planos
mas no próximo sábado
se o vírus deixar
e isto não acabar
hei de ir à embaixada
muito aperaltada
com uns brinquinhos
e os lábios vermelhos
hei de entrar aos saltinhos
e votar com um beijo💋
#vermelhoembelem
amanhã não tenho planos
mas no próximo sábado
se o vírus deixar
e isto não acabar
hei de ir à embaixada
muito aperaltada
com uns brinquinhos
e os lábios vermelhos
hei de entrar aos saltinhos
e votar com um beijo💋
#vermelhoembelem
Pouca terra, muita fruta
Perna longa, manga curta
Ouçam: hoje há "Contraconto" na Antena 2.
A maternidade tem sido e talvez venha a ser para todo o sempre o maior dilema, o maior feitiço, o maior melindre e o maior encanto de toda a minha existência.
Tenho lido livros de outras mães que escreveram sobre isto de ser mãe e também tenho escrito sobre isto de ser mãe. É possível que venha a escrever cada vez mais sobre o tema. Na minha cabeça hei de escrever um romance sobre maternidade, uma coletânea de ensaios, uma epopeia e também uma tragédia grega sobre o assunto.
Para já peguei em coisas do blogue e dos meus cadernos e fiz este conto a que dei o título “A eternidade não basta”. Fui costurando o texto ao longo das sessões do workshop de escrita de não-ficção literária que fiz com a Susana Moreira Marques, autora que muito admiro e que lançou há pouco um livro também sobre maternidade.
Sou amiga da Susana, fã da Susana e agora também sou aluna da Susana.
Durante as sessões lemos, discutimos, ouvimos, escrevemos. No final a Associação Cultural Mombak, centro cultural que acolhe estes cursos e também a revista Pessoa, publicou os textos dos participantes.
Este é o meu.
“Coitada da Ana Pessoa”, lê-se a certa altura. Adoro escrever isto sobre mim própria.
¡Caracoles!
Na Venezuela, “Aqui es un buen lugar” é um dos “amigxs imaginarixs” de 2020, uma seleção de livros recomendados por Pez Linterna, blogue de promoção da cultura e literatura para crianças e jovens.2020: a propagação da maleita e do medo, o tique nervoso do álcool-gel, esta nova aversão ao toque, as ruas desertas, a solidão. Mas também os abraços do Henrique, os meus filhos a pular no sofá, a sensação de mestria quando todos dormem, mais a poesia violenta do Luís Miguel Nava que me beliscou em certas horas.
Tenho pensado muito neste verso dele: “a manhã espanca a praia”.
Não vi a praia uma única vez, mas penso nela todos os dias. Também não vi o mar uma única vez.
Dei um mergulho num lago artificial. Dei um mergulho num lago a sério.
Voltei ao trabalho, mas fiquei em casa. Passei a maior parte dos dias na sala de estar, que agora também é o nosso escritório.
O mais novo caiu da cama. O do meio caiu do fraldário. O mais velho caiu da bicicleta.
Nasceu o Desvio, a primeira novela gráfica.
Brexit. Joe Biden. Bielorrússia.
Voltei a ouvir música. Voltei a ouvir podcasts. Voltei a ver séries.
Os mais novos começaram a ir à creche. O mais velho começou a ir à escola.
Toda a gente começou a usar máscaras. Primeiro as de papel. Depois as de tecido.
No início não percebíamos bem as regras. Se podíamos sair de casa, se devíamos usar máscara na rua, se nos podíamos sentar nos bancos de jardim.
Quino. Maradona. Morricone.
Comprei um blusão branco. Comprei uns ténis vermelhos. Fiz óculos novos.
Fui finalmente ao dentista, que afinal era uma dentista. Os óculos da dentista eram parecidos com os meus óculos novos, mas mais bonitos do que os meus óculos novos.
A explosão em Beirut. Os arco-íris nas janelas. Black lives matter.
Emagreci um bocadinho. Escrevi um bocadinho. Li um bocadinho: Lydia Davis, Vergílio Ferreira, Matilde Campilho.
O mais novo começou a dormir melhor. O mais velho largou as fraldas. O do meio foi picado por uma vespa.
Tive uma crise de costas. Tive uma crise existencial. Tive dores de garganta. Tive febre e tosse e cagufa. Fiz o teste à Covid-19, mas não recebi os resultados. A médica também não. Fiz quarentena na mesma.
Luís Sepúlveda. Sean Connery. Eduardo Lourenço.
Pisei um enorme cocó de cão. Deixei cair as chaves no buraco do elevador.
Não tomei banho todos os dias. Não dormi uma única noite seguida.
Li Adília Lopes, Ana Hatherly, Adrienne Rich, Annie Ernaux. Reparo agora que os nomes destas mulheres começam todos por A. Acho que não fiz de propósito.
O nosso aspirador deu o berro. A varinha mágica também. A caldeira do prédio também. Passamos uma semana sem elevador. Passei uma semana com o mais novo no hospital.
As manifestações em Hong Kong. Os incêndios na Austrália.
O mais velho fez três anos. Os mais novos já abrem gavetas. Montámos uma árvore de Natal, que é um pinheirinho todo torto.
2020: um ano para esquecer; um ano para recordar. O tempo avançou muito depressa e também muito devagar; as semanas e os meses passaram a correr, mas os dias (e as noites) nunca mais acabavam. Tudo mudou de repente. E no entanto a sensação que fica é que estamos exatamente onde estávamos há um ano. Como se nada tivesse evoluído. Como se o tempo não tivesse passado.
E no entanto ele passou. O tempo passa sempre. E nós estamos todos diferentes.
A barriga da Isabel, o sorriso da Kamala Harris, as fotos que a minha mãe me envia com o nascer do sol.
Mais um verso do Luís Miguel Nava: “As imagens saltam em descargas”.
As horas também, digo eu. Os dias. Os anos.
Estou para aqui toda desgrenhada a olhar para as descargas de luz da nossa árvore de Natal e só quero mais disto. Viver mais.
Amar mais. Dormir mais. Cuidar mais. Ler mais. Escrever mais.
Tudo mais, por favor. Exceto aquelas coisas que queremos todos muito menos, claro.
2021, puxa-te à calma. Deixa a malta respirar, ó.
(Foto do pinheirinho todo torto em “O gnu e o texugo”, Madalena Matoso)
Bom... Se o espírito espanto deixar, hei de comer um Pai Natal de chocolate. Hei de despi-lo à bruta e rasgar-lhe o fato cintilante. Hei de arrancar-lhe a cabeça com uma dentada e espreitar-lhe o crânio oco de ideias.
Coitado do Pai Natal. Já ninguém acredita nele.
Não me lembro de alguma vez ter escrito uma carta ao Pai Natal.
Sempre soube que o Pai Natal era o meu pai. Ele sentado à mesa a fumar e a beber whisky, e eu e os meus primos a chamar por ele: “Ó Pai Natal, ó Pai Natal!”
O meu pai a fazer-nos sofrer com a espera, a inventar desculpas (“Deve estar muito trânsito hoje”).
Este ano não tenho Natal nem o melhor Pai Natal de todos, mas pela primeira vez escrevi-lhe uma carta. Começa assim: “O Pai Natal existe e é o meu pai.” E é também a minha mãe. Penso nela todos os dias, agradeço-lhe todos os dias. Ser filha não é fácil, mas ser mãe é mais difícil.
Hei de comer um Pai Natal e pensar na minha mãe, que sempre partiu estes Pais Natais com um só murro e uma só gargalhada. Eu e o meu irmão comíamos os pedaços de chocolate e ríamo-nos à farta do Pai Natal reduzido a cacos.
Este ano, como toda a gente, não tenho Natal, não tenho a família, mas tenho um Pai Natal de chocolate.
Hei de dar-lhe um valente murro e comê-lo com fúria e esperança. No fim hei de fazer uma bolinha com o papel de prata.
Não sei porquê, mas adoro essa parte de fazer a bolinha com o papel de prata.
(Na foto um pormenor da montra de Natal de Le Typographe.)