quarta-feira, 27 de novembro de 2024

Crescer, viver, mergulhar e nadar


Tem natação ao domingo à tarde. Saímos de casa com tempo, mas ele apressa-se. “Não quero chegar atrasado.” Leva às costas a sua mochila vermelha onde traz uns óculos de mergulho, os calções dos tubarõezinhos, uma toalha, uma touca vermelha e umas crocs azuis. “Natação é o que eu mais gosto.”

O balneário está cheio de gente. Ajudo-o a despir a roupa e a vestir os calções dos tubarõezinhos. O professor abre a porta do balneário e chama os meninos pelo nome. Ele vai para a piscina e eu subo as escadas, fico a vê-lo lá de cima.

Ainda não sabe nadar, mas não deve faltar muito. Salta para a água, ri-se, pula, mergulha. De vez em quando só lhe vejo as pernas e depois não vejo nada e depois vejo a touca vermelha e os braços.

Faz meia piscina com a ajuda do professor. Bate os pés com entusiasmo. É ágil e rápido. Volta para trás. Chega à borda da piscina sem fôlego. Procura-me com os olhos. Encontra-me. Eu aceno, ele acena. “Estou aqui”, diz a mão dele no ar. “Estou aqui”, diz a minha mão. Estamos aqui. Ficamos a acenar mais tempo do que o habitual. Ele sempre a rir e aos pulos. 

Guardo esta imagem na cabeça: este meu filho na piscina, a sua touca vermelha, a alegria dele a salpicar tudo, a saltar cá para fora, a alegria como uma salamandra, como um crocodilo, como um desses animais que vivem dentro e fora de água.

Registo a euforia do meu filho e também registo a minha angústia, que é a angústia de todas as mães. O medo indizível de tudo o que está por vir: tristeza, humilhação, sofrimento, desilusão. E a certeza de que vamos falhar, de que já estamos a falhar. Apesar de levantarmos a mão e acenarmos, apesar de estarmos aqui.

Encontramo-nos no balneário. Ele enrola-se na toalha, cheio de frio, os olhos enormes, admirados, vermelhos. “Viste que eu mergulhei e toquei com a mão no fundo da piscina? Como é que eu fiz aquilo? Eu estava a imaginar que eu era uma baleia e mergulhava assim fundo.” Interrompo-o. “As tuas crocs?” Ele fica a pensar. “Esqueci-me.” Corre até à piscina para ir buscar as crocs. Regressa logo a seguir com elas nos pés. “Eu sou o pior.” Explico-lhe que ninguém é pior nem melhor por se esquecer de umas crocs. Sempre este medo de falharmos, de não estarmos à altura.

Vamos à zona dos secadores de cabelo. Ele vai pelo corredor a trautear e a assobiar. Ainda me quer dar a mão. Enquanto seca o cabelo, faz caretas ao espelho. Quando saímos do balneário, apercebo-me de que deixei o telemóvel lá em cima. Ele fica admirado. “Também te esqueceste!” “Pois foi!” “Não faz mal.” “Pois não.”

Subimos as escadas em direção à saída. Ele ri-se. “Mamã, hoje é o dia de perder. Eu perdi as crocs, tu perdeste o telemóvel. É o dia da piscina perdida.” Digo-lhe que é um bom título para uma história. Ele fica contente.

No regresso a casa vamos pelo parque, onde há passagens secretas entre as árvores. Caminha decidido à minha frente, por cima das folhas, por baixo dos ramos, por entre as árvores. A mochila vermelha às costas, as mãos nos bolsos. Vira-se para trás para ver se consigo passar por baixo de certos ramos. A dada altura não encontramos logo o trilho certo. Mas depois passamos por cima de um tronco, escorregamos no musgo e reencontramos o nosso caminho. “Ufa!”

Quando chegarmos a casa, vai querer brincar com a pista de comboios ou fazer um desenho ou uma construção de legos. 

Faz hoje 7 anos. Às vezes parece mais velho. Às vezes parece mais pequeno. Não me chama durante a noite mas fala-me de pesadelos.

No fundo e à superfície, o medo das mães não é diferente do medo dos filhos. Este eterno medo tubarãozinho de nos perdermos, o medo do escuro, do falhanço, do desconhecido, da morte, do abandono, da solidão. 

Talvez crescer, viver, mergulhar e nadar se resuma a isto: por mais que queiramos controlar o nosso destino, sabemos que controlamos muito pouco.

Ai de quem se meta com este meu filho, digo-vos. Ai de quem lhe faça mal, de quem o desiluda, de quem o parta. Rebento-lhe a boca. 

O amor das mães e dos filhos também é isto. Um mergulho muito baleia num mar feito de afeto, medo e escuridão.