terça-feira, 3 de março de 2009

O ninho

O rapaz passava muito tempo aos pés da figueira e, por vezes, quando a memória da língua lhe falava dos figos, trepava a árvore torta para lhe roubar os frutos, estivessem eles verdes ou maduros, pois eram verdes na mesma e mal não vinha ao mundo quando eram duros ou podres. Certa vez dera-se o estranho caso de o rapaz ter comido a própria flor que daria lugar ao figo, tal era a sua vontade que a Primavera passasse e o fruto existisse.
Pois num dia de Verão, estava o rapaz já muito empoleirado na figueira, de mãos abertas para os figos, quando do ramo mais alto caiu, não um ramo mais pequeno, não uma folha mais fraca, não um figo empobrecido, mas um ninho inteiro, redondo e encorpado. O rapaz susteve a respiração depois da queda e encolheu todos os músculos. O coração temia pela vida do ninho, pela sua vida, pela vida dos pássaros. Saltou desconcertado para o chão e ali ficou muitos segundos, nem perto nem longe do ninho, os olhos debruçados sobre ele, as mãos lançadas para ele, a boca, o nariz, os pulmões, a garganta e o estômago muito apertado, o corpo todo debruçado sobre o ninho e muito equilibrado sobre as pontas dos pés que não davam um só passo. O ninho estava de cabeça para baixo, não se via o conteúdo (se é que algum havia) e o rapaz demorou muito tempo para lhe tocar, não fosse a morte encará-lo de frente ou levá-lo com ela. Procurou um pau comprido, mas não o encontrou, por os seus olhos se desconcentrarem na demanda. Procurou outra vez. E outra vez.
Podia arrancar um pequeno ramo da figueira, claro, mas tinha medo, imenso medo que outro ninho caísse e com ele outros pássaros, outras mortes. O rapaz angustiava. Ovos partidos, dezenas de ovos partidos, os pássaros mortos, todos mortos. O rapaz não chorou porque era forte. Também não fugiu. Era consequente. Responsável. Curioso.
(O coração era já maior do que o corpo, a terra tremia debaixo dele.)
O rapaz aproximou-se devagar do ninho, baixou-se sobre ele e virou-o, viu-o, pousou-o. Deu três passos para trás, quatro. Cinco. Depois parou.
O mesmo olhar suspenso, todo ele debruçado sobre o ovo azul, ainda inteiro.
(Igual a outros ovos, mas azul.)
(Igual a outros azúis, mas em forma de ovo.)
Nunca tinha visto um ovo azul, não sabia a cor azul nem o ovo nem o pássaro dentro dele. O rapaz sentou-se no chão, em frente ao ovo azul. Cruzou as pernas e pousou nos joelhos os braços. Assim ficou muito tempo. Tanto tempo. Todo o tempo.
O coração crescia mais e mais até alcançar as copas das árvores.
(A cidade era bonita, vista dali.)