terça-feira, 26 de julho de 2016

Olhar através de uma janela

Olhar através de uma janela. Através de um quadro.
Para uma casa. Para outra janela.
Para aquela árvore ali ao fundo, extremamente escura.
É uma árvore roxa, quase negra.

Que cor é aquela? 
Não sabemos. 

É a cor de certas noites. De certos vinhos.
Não conhecemos aquela espécie. 
Não conhecemos aquelas folhas. 
Uma árvore noturna.

É possível pensar sobre as coisas sem conhecer os nomes.
É possível pensar sem saber.

O mundo lá fora e o mundo cá dentro. 
Estar no meio. 
À janela.
Um pequeno mundo dentro de uma moldura.

É possível viver num mundo com os olhos postos noutro mundo. 
Entre um mundo e outro, o enquadramento. A janela. 
Um mundo dentro de um quadrado. Dentro de uma caixa.

Observar. Esperar. 

Um pedaço de mundo que entra e sai da moldura.
Por exemplo, um avião. Uma folha. Uma bicicleta. Qualquer coisa. Ao acaso.
A passar.

Do outro lado da janela, a árvore noturna baloiça.
Outras árvores também baloiçam ao lado da árvore noturna, mas não da mesma maneira.
A árvore noturna vai um pouco mais longe com o corpo, prolonga certas curvas.
É sedutora. Sinuosa. 
Noctívaga.

Está impecavelmente enquadrada, no centro da janela.
Plantou-se ali de propósito. Ou então sem querer.
Em frente à janela.
Em frente à narradora.

Uma narradora, uma janela e uma árvore. Impecavelmente alinhadas.
Pertencem ao mesmo mundo, mas não completamente. 
A narradora não participa no movimento da árvore. 
Não sente aquele pedaço de vento. Não sente o mesmo pedaço de terra.

Eis o poder de uma janela: pertencer ao mundo mas não completamente.
Pertencer ao longe. Vagamente.
Ter a impressão de pertencer sem pertencer.
Fazer parte do mundo como uma recordação.
Como um vestígio.

A narradora deste texto olha para a janela e já não vê a árvore.
Vê os seus olhos, o seu cabelo.

Eis outro poder de uma janela: o reflexo.

É mais bonito observar o reflexo numa janela do que num espelho.

O reflexo numa janela não é bem um reflexo. É uma sombra.
Uma presença noturna. 
Sinuosa. Sedutora.
Quase não pertence.

O reflexo na janela é uma recordação.

Olhar através de uma janela.
O vestígio de qualquer coisa.
Uma pausa no espaço.

sexta-feira, 22 de julho de 2016

Ser Português Aqui

Hoje estive em animada conversa com a Lídia Martins no programa "Ser Português Aqui" (Rádio Alma, Bruxelas). 
Falei pelos cotovelos (e pelas entranhas) sobre a capital belga e sobre esta coisa de ver Portugal ao longe. 
Também falámos de leitura, escrita, música e adolescência.
O programa passa na Rádia Alma (www.radioalma.beamanhã, sábado, 23 de julho, às 11 horas (10 horas em Portugal), e no domingo, 24 de julho, às 14 horas (13 horas em Portugal).
Em breve ficará também disponível em podcast (eu depois aviso).

quarta-feira, 20 de julho de 2016

Não escrever nada

Não escrever nada.
Não querer escrever nada.
Nenhuma história. Nenhum lugar.
Nenhuma palavra.
Nem sequer uma sílaba: não.
Nada.
Niente. 
Rien du tout.
Pensar em escrever.
Não pensar em escrever.
Não pensar.
Sem culpa. Sem pressa.
Sem.
Oco. Eco. Espaço.
Não. Nada.
Nenhum. Ninguém.
Nenhures.
Nunca.