Para uma casa. Para outra janela.
Para aquela árvore ali ao fundo, extremamente escura.
É uma árvore roxa, quase negra.
Que cor é aquela?
Não sabemos.
É a cor de certas noites. De certos vinhos.
Não conhecemos aquela espécie.
Não conhecemos aquelas folhas.
Uma árvore noturna.
É possível pensar sobre as coisas sem conhecer os nomes.
É possível pensar sem saber.
O mundo lá fora e o mundo cá dentro.
Estar no meio.
À janela.
Um pequeno mundo dentro de uma moldura.
Um pequeno mundo dentro de uma moldura.
É possível viver num mundo com os olhos postos noutro mundo.
Entre um mundo e outro, o enquadramento. A janela.
Um mundo dentro de um quadrado. Dentro de uma caixa.
Observar. Esperar.
Um pedaço de mundo que entra e sai da moldura.
Por exemplo, um avião. Uma folha. Uma bicicleta. Qualquer coisa. Ao acaso.
A passar.
Do outro lado da janela, a árvore noturna baloiça.
Outras árvores também baloiçam ao lado da árvore noturna, mas não da mesma maneira.
A árvore noturna vai um pouco mais longe com o corpo, prolonga certas curvas.
É sedutora. Sinuosa.
A árvore noturna vai um pouco mais longe com o corpo, prolonga certas curvas.
É sedutora. Sinuosa.
Noctívaga.
Está impecavelmente enquadrada, no centro da janela.
Plantou-se ali de propósito. Ou então sem querer.
Em frente à janela.
Em frente à narradora.
Plantou-se ali de propósito. Ou então sem querer.
Em frente à janela.
Em frente à narradora.
Uma narradora, uma janela e uma árvore. Impecavelmente alinhadas.
Pertencem ao mesmo mundo, mas não completamente.
Pertencem ao mesmo mundo, mas não completamente.
A narradora não participa no movimento da árvore.
Não sente aquele pedaço de vento. Não sente o mesmo pedaço de terra.
Eis o poder de uma janela: pertencer ao mundo mas não completamente.
Pertencer ao longe. Vagamente.
Ter a impressão de pertencer sem pertencer.
Ter a impressão de pertencer sem pertencer.
Fazer parte do mundo como uma recordação.
Como um vestígio.
Como um vestígio.
A narradora deste texto olha para a janela e já não vê a árvore.
Vê os seus olhos, o seu cabelo.
Vê os seus olhos, o seu cabelo.
Eis outro poder de uma janela: o reflexo.
É mais bonito observar o reflexo numa janela do que num espelho.
O reflexo numa janela não é bem um reflexo. É uma sombra.
Uma presença noturna.
Sinuosa. Sedutora.
Quase não pertence.
O reflexo na janela é uma recordação.
Olhar através de uma janela.
O vestígio de qualquer coisa.
Uma pausa no espaço.
Uma pausa no espaço.