sexta-feira, 3 de agosto de 2007

Vermelho

Era uma tarde quase noite e estávamos no sofá. Dizíamos palavras vermelhas que saíam pesadas e vagarosas, letra ante letra. Por vezes, entrava pela boca um vinho arredondado que penetrava as veias, confundindo-se com o próprio sangue. Quando a tarde foi noite já a cor volumosa do néctar tinha manchado os teus lábios e lembro-me disso, do vermelho líquido e espesso do primeiro e único beijo (duas línguas répteis entrançadas num nó direito). Nessa altura éramos apenas duas bocas, tínhamos a cor inquieta das cerejas. Disse-te: Engole-me! e a tua boca abriu-se um pouco mais, pegou-me ao colo, pousou-me devagar. Foi uma noite bonita. Obrigada por me trazeres na tua língua, gosto da tua boca por dentro, de mergulhar na tua saliva, de ver as estrelas do teu céu vermelho.


(Daqui a muitos anos talvez alguém nos encontre no fundo do lago, à sombra dos nenúfares: tu agora concha e eu redonda, em forma de pérola.)