No lançamento do seu livro, o escritor anunciou: "Não escrevo mais". Os leitores ficaram em estado de choque, preocuparam-se com o escritor e depois com o homem atrás do artista. Depois olharam para os seus umbigos e preocuparam-se com as suas leituras de Verão, alguns desmaiaram, degeneraram, desidrataram. Alguém disse: "Há tomates espanhóis no supermercado" e os leitores afluíram sôfregos ao supermercado, compraram tomates, comeram alguns e os outros atiraram ao escritor demissionário. A associação de protecção dos leitores tomou medidas imediatas, marcou a greve para os meses do Verão causando o caos no mundo livreiro. Fecharam-se livrarias e editoras, queimaram-se livros, penduraram-se cartazes na rua: "Queremos artistas responsáveis". Numa manifestação de 20 mil pessoas em Lisboa, várias dezenas de leitores invadiram a casa do escritor, amarraram-no à sanita, pontapearam-no. Depois soltaram-no, arrastaram-no até à rua, levaram-no para a prisão. Deram-lhe uma caneta e um caderno. Ordenaram: "Escreve!" e ele escreveu porque estava desesperado (o desespero inspira). Os leitores voltaram a ser felizes.
Meses mais tarde, o escritor disse: "Não escrevo mais!" e os leitores pontapearam-no outra vez. Num fôlego sofrido que parecia o último, o escritor murmurou: "Não consigo escrever!". Os leitores acharam o caso realmente insólito, discutiram o caso, chamaram um especialista. O médico dos artistas chegou a horas, examinou o escritor, deu ordens: "Abra a boca!", "Diga Aaaaaaaah!", "Inspire!", "Expire!", "Levante-se!", "Sente-se!". No final o doutor arrumou o estetoscópio e fez uma careta grave. Disse: "Tem falta de abstracção!" e os leitores ficaram horrorizados, era uma doença rara, quase sem cura, havia quem morresse disso. Que fazer?
Os leitores reuniram-se em plenária para a votação final e decidiram falar com a musa inspiradora. Ao vê-la, o escritor sorriu, a musa deu-lhe um beijo seco e perguntou: "Então, já passou?" e ele abanou a cabeça desanimada. A musa saiu da cela encolhendo os ombros e anunciou aos leitores: "O escritor precisa de férias!". Os leitores revoltaram-se, ameaçaram processá-la, atiraram cadeiras ao ar, apresentaram contas, diziam percentagens. Mas a maré vazou e com ela partiu a musa inspiradora na sua barca silenciosa. Marcaram encontro para o dia seguinte.
Após uma negociação que se arrastou por mais de uma semana, os leitores e a musa celebraram um contrato, no qual os leitores se comprometiam a dar anualmente uma semana de férias ao escritor. Soltaram o prisioneiro numa cerimónia orquestrada e o escritor partiu de Belém com a musa. Os leitores despediram-se dele no cais, abanavam as cabeças com os soluços e os lenços brancos com as mãos. O escritor ficou a vê-los e, de repente, começou a chorar. A musa inspiradora levou as mãos à cabeça, disse-lhe palavras meigas, lamentou para dentro: "Artistas!". O escritor ficou muito tempo de olhos postos em Belém. Depois pediu à musa: "Não me leves para longe!" e começou a escrever. Tinha saudade da prisão.
PS – Esta história baseia-se num único facto real: há quem vá de férias amanhã e só volte para a semana, ou seja, dia 20 (escusam de me procurar por aqui entretanto)! O resto é tudo ficção: o escritor só podia ser inventado, os tomates não vinham de Espanha, a musa era uma boneca mecânica, o médico nem sequer tinha canudo e os leitores eram muitos mais violentos (tive a aligeirar a coisa).
Meses mais tarde, o escritor disse: "Não escrevo mais!" e os leitores pontapearam-no outra vez. Num fôlego sofrido que parecia o último, o escritor murmurou: "Não consigo escrever!". Os leitores acharam o caso realmente insólito, discutiram o caso, chamaram um especialista. O médico dos artistas chegou a horas, examinou o escritor, deu ordens: "Abra a boca!", "Diga Aaaaaaaah!", "Inspire!", "Expire!", "Levante-se!", "Sente-se!". No final o doutor arrumou o estetoscópio e fez uma careta grave. Disse: "Tem falta de abstracção!" e os leitores ficaram horrorizados, era uma doença rara, quase sem cura, havia quem morresse disso. Que fazer?
Os leitores reuniram-se em plenária para a votação final e decidiram falar com a musa inspiradora. Ao vê-la, o escritor sorriu, a musa deu-lhe um beijo seco e perguntou: "Então, já passou?" e ele abanou a cabeça desanimada. A musa saiu da cela encolhendo os ombros e anunciou aos leitores: "O escritor precisa de férias!". Os leitores revoltaram-se, ameaçaram processá-la, atiraram cadeiras ao ar, apresentaram contas, diziam percentagens. Mas a maré vazou e com ela partiu a musa inspiradora na sua barca silenciosa. Marcaram encontro para o dia seguinte.
Após uma negociação que se arrastou por mais de uma semana, os leitores e a musa celebraram um contrato, no qual os leitores se comprometiam a dar anualmente uma semana de férias ao escritor. Soltaram o prisioneiro numa cerimónia orquestrada e o escritor partiu de Belém com a musa. Os leitores despediram-se dele no cais, abanavam as cabeças com os soluços e os lenços brancos com as mãos. O escritor ficou a vê-los e, de repente, começou a chorar. A musa inspiradora levou as mãos à cabeça, disse-lhe palavras meigas, lamentou para dentro: "Artistas!". O escritor ficou muito tempo de olhos postos em Belém. Depois pediu à musa: "Não me leves para longe!" e começou a escrever. Tinha saudade da prisão.
PS – Esta história baseia-se num único facto real: há quem vá de férias amanhã e só volte para a semana, ou seja, dia 20 (escusam de me procurar por aqui entretanto)! O resto é tudo ficção: o escritor só podia ser inventado, os tomates não vinham de Espanha, a musa era uma boneca mecânica, o médico nem sequer tinha canudo e os leitores eram muitos mais violentos (tive a aligeirar a coisa).