Há duas coisas que detesto:
uma é ter um chocolate no bolso e descobrir que está derretido;
outra é que me passem à frente na fila como quem não quer a coisa.
A primeira frustração é de mim para mim:
recrimino os meus bolsos, revolto-me, engulo a água contracorrente que nasce na boca.
A segunda frustração é de mim com os outros:
somos tristes, estendemos a tigela para a sopa e comemo-la em silêncio, mais sozinhos do que queríamos.
O chocolate derretido no bolso dá-me vontade de bater com a mão na minha testa.
Quando me passam à frente, dá-me vontade de bater com a mão na testa dos outros.
Lembro-me agora que bato mais na minha testa do que na dos outros.
Hipótese:
talvez ponha chocolates no bolso com mais frequência do que perco o meu lugar na fila.
Tento contar com os dedos das mãos e apercebo-me:
nunca bati com a mão na testa de ninguém.
Nunca. E sinto-me frustrada com isso.
Bato na minha testa para aliviar a frustração, mas ela estala na cabeça e permanece.
Cresce-me água na boca.
Imensa água na boca.
Vou por aí bater na testa dos outros.
Como quem não quer a coisa.