quarta-feira, 8 de agosto de 2007

Com a cabeça no tecto

A senhora do metro informa-me: "Para o mês que vem já não tem desconto!" e eu, apesar dos bons ouvidos e do raciocínio rápido, pergunto: "Como?". A senhora do metro explica-me que no próximo mês já não tenho idade para ter desconto para jovens. Esboço um sorriso esclarecido, compro o último passe com desconto e desço as escadas rolantes. O metro tinha acabado de passar e fico à espera do próximo. Enquanto espero, olho para dentro, penso na vida (há dias assim): eu e os meus pais a rirmo-nos, eu de olhos fechados na praia, eu a vir da escola com o João, eu a correr para o comboio, eu a beber café, eu e a Marta no trem velho, eu e a Isabel nas Avencas, eu na faculdade de tantas letras, eu e o Henrique no Pico, eu no aeroporto de Lisboa, a minha mãe a dizer: "Não chores!", eu noutras cidades, noutros aeroportos, noutras vidas. Depois faço planos: casar, ter filhos, escrever um livro, plantar uma árvore, comprar uma casa, ter desconto para reformados. Finalmente começo a rir de mim própria, abano a cabeça, lembro-me do Peter Pan, do nosso pacto de sangue, da Sininho aos pulos, da Terra do Nunca e, de repente, bato com a cabeça no tecto.
É que entretanto tinha começado a voar na paragem do metro e nem tinha dado por isso. Tenho uma sensação de vertigem quando olho para o chão, mas abro bem os braços e equilibro-me. Digo: "Detesto o metro" e voo dali para fora. Quando chego à rua, já voo a grande velocidade. Sem querer, arranco o chapéu de uma senhora e peço desculpa num berro. Um miúdo com óculos de Harry Potter corre atrás de mim e grita-me: "Então e a vassoura?". Olho para ele divertida, o cabelo à frente da cara: "Não sou dessa geração!" e a mãe do rapaz, que o espera nas escadas do metro, sorri-me um sorriso cúmplice. O miúdo acena-me, eu aceno, a mãe acena. Mãe e filho reúnem-se outra vez na entrada do metro, abraçam-se e ficam a ver-me desaparecer nas nuvens. Penso: "Gosto do vento!".