Terça-feira, dia oficial das séries.
Mais um episódio da série "Western revisited".
Ver último episódio.
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À noite, quando só a fogueira existia na planície, o chefe da tribo contava então a lenda do cowboy negro e todos os índios ouviam: as penas da cabeça pousadas no chão, um calor sereno do farwest, o céu inteiro a entrar pelos pulmões. O chefe descrevia um cowboy de pele negra com curvas acentuadas no rosto e lábios escuros, enormes, tão avolumados que se distinguiam na própria sombra. As crianças tinham medo. Era um homem misterioso, invisível no escuro à excepção do branco puríssimo que trazia nos olhos e nos dentes perfeitamente alinhados. Os índios achavam-no dono da escuridão, temiam-no, adoravam-no, pediam-lhe desejos nocturnos. Chamavam-lhe: "O que brilha à noite", juravam que o cowboy negro tinha estrelas nos olhos. Era o mais sozinho de todos os homens, ou pelo menos assim contava o chefe. Não falava, não ria, não comia, não bebia, não chorava. Os homens contavam a lenda do cowboy negro às crianças e as mulheres ouviam aquela história pela boca dos filhos (eles muito aconchegados no colo das mães e elas um pouco menos mães do que antes, fascinadas com aquele cowboy).
E secretamente, em traços quase imperceptíveis, as mulheres desenhavam nas peças de roupa os lábios do homem que brilhava à noite. Depois, quando o escuro era total, sonhavam que o beijavam tão intensamente que mergulhavam na sua enorme boca. No fundo, só aquele beijo poderia explicar as estrelas. O mundo inteiro estava dentro de uma boca escura e elas, as mulheres, ficavam toda a noite a vigiar o céu (olhos postos nos olhos do cowboy negro). Era um amor correspondido, claro. Isto porque as estrelas dos olhos continuavam a brilhar.
Digamos que a vida tinha uma beleza própria, quando a arte de amar ainda era ciência.