A personagem que queria ser pessoa saltou furiosa da folha de papel e foi aterrar em cima da secretária. O escritor assustou-se com a sua aparição repentina mas, como coleccionava protagonistas de romances, ficou contente com aquela visita.
Para caberem nos livros, as personagens eram extremamente pequenas. Na verdade eram uma espécie de polegarezinhos, mais pareciam os duendes de que nos falavam na infância. A colecção de personagens daquele escritor era absolutamente fantástica: cabia toda dentro de um aquário e era preciosíssima.
O autor agarrou gentilmente na caneca do seu chá e preparava-se para apanhar o protagonista do seu novo romance em pleno voo, quando este lhe interrompeu o movimento da mão. Tudo porque a personagem falou e a sua voz era muito grave. O escritor ficou espantado e queixou-se:
– Mas a voz desta personagem não é assim.
– É assim, sim! A minha voz, a partir de hoje, é extremamente grossa.
– Mas que estupidez! É por teres uma voz fina que este romance existe.
– Pois, precisamente! Saí do livro e vim até aqui para dizer que gostaria de sair deste romance!
O escritor não reagiu logo, era a primeira vez que uma personagem se revoltava com o seu papel. Mas a seguir, já recomposto, desatou a rir e a personagem caiu para trás com a força da gargalhada.
– Isso é ridículo! Se abandonasses o romance, deixavas de ser uma personagem!
– Precisamente! É que gostava mais de ser uma pessoa! Isto de ser um protagonista é uma seca, é muito previsível!
O escritor ofendeu-se. Previsível?! Optou por uma estratégia mais pedagógica.
– Garanto-te, protagonista, que a vida de uma personagem é muito mais interessante do que a vida de uma pessoa.
– Mas eu quero ser de carne e osso. Quero ser eu a decidir o que faço e o que vou fazer!
– Ora agora! Tu és uma invenção minha, terás sempre de fazer o que eu quero.
A personagem alarmou-se, abriu muito a boca por a indignação não lhe caber no peito. Reclamou:
- Acaso um filho é invenção dos pais? Eu sou o fruto da tua imaginação e exijo ser tratado como tal. Sou sangue do teu sangue.
O escritor estava estupefacto, não era nada daquilo que tinha previsto para a sua personagem. Tornou-se mais autoritário.
– Tu aqui não és nada, caríssima personagem! No meu livro quem manda sou eu!
– Mas eu já disse que não quero fazer parte desse livro! Quero ser uma pessoa como outra qualquer!
O escritor ergueu o manuscrito colérico, abanou-o no ar, gritou:
– As personagens dos meus livros são pessoas! São iguais a elas! São melhores do que elas!
- Melhores? Como podes ter a presunção de que fazes cópias melhores do que o original?
O escritor não respondeu logo, estava mudo de raiva. A personagem repetia:
– Como? Como? Como?
- Eu não sou copista! – gritou ainda o escritor.
Depois, no exacto segundo em que a personagem acabara de dizer: "Detesto pessoas que se comparam a Deus!", o manuscrito caiu-lhe com toda a força na cabeça e o protagonista morreu esmagado contra a última página.
O escritor repetiu:
– No meu livro quem manda sou eu!
Mas estava enganado. Estava tão enganado que dava pena.
– Mas a voz desta personagem não é assim.
– É assim, sim! A minha voz, a partir de hoje, é extremamente grossa.
– Mas que estupidez! É por teres uma voz fina que este romance existe.
– Pois, precisamente! Saí do livro e vim até aqui para dizer que gostaria de sair deste romance!
O escritor não reagiu logo, era a primeira vez que uma personagem se revoltava com o seu papel. Mas a seguir, já recomposto, desatou a rir e a personagem caiu para trás com a força da gargalhada.
– Isso é ridículo! Se abandonasses o romance, deixavas de ser uma personagem!
– Precisamente! É que gostava mais de ser uma pessoa! Isto de ser um protagonista é uma seca, é muito previsível!
O escritor ofendeu-se. Previsível?! Optou por uma estratégia mais pedagógica.
– Garanto-te, protagonista, que a vida de uma personagem é muito mais interessante do que a vida de uma pessoa.
– Mas eu quero ser de carne e osso. Quero ser eu a decidir o que faço e o que vou fazer!
– Ora agora! Tu és uma invenção minha, terás sempre de fazer o que eu quero.
A personagem alarmou-se, abriu muito a boca por a indignação não lhe caber no peito. Reclamou:
- Acaso um filho é invenção dos pais? Eu sou o fruto da tua imaginação e exijo ser tratado como tal. Sou sangue do teu sangue.
O escritor estava estupefacto, não era nada daquilo que tinha previsto para a sua personagem. Tornou-se mais autoritário.
– Tu aqui não és nada, caríssima personagem! No meu livro quem manda sou eu!
– Mas eu já disse que não quero fazer parte desse livro! Quero ser uma pessoa como outra qualquer!
O escritor ergueu o manuscrito colérico, abanou-o no ar, gritou:
– As personagens dos meus livros são pessoas! São iguais a elas! São melhores do que elas!
- Melhores? Como podes ter a presunção de que fazes cópias melhores do que o original?
O escritor não respondeu logo, estava mudo de raiva. A personagem repetia:
– Como? Como? Como?
- Eu não sou copista! – gritou ainda o escritor.
Depois, no exacto segundo em que a personagem acabara de dizer: "Detesto pessoas que se comparam a Deus!", o manuscrito caiu-lhe com toda a força na cabeça e o protagonista morreu esmagado contra a última página.
O escritor repetiu:
– No meu livro quem manda sou eu!
Mas estava enganado. Estava tão enganado que dava pena.
O livro é que mandava nele. O livro e as personagens.
O escritor só fazia o que elas lhe diziam. E o protagonista desta história queria claramente morrer.