Dois homens olham-se olhos nos olhos. Um é mais persistente do que o outro, olha sempre nos olhos do segundo e este intimida-se de vez em quando: os olhos, já muito tensos, descem como dois sóis em final de tarde, mas logo regressam à luta.
(Se um homem olha insistentemente para outro, este devolve-lhe um olhar ainda mais intenso. Os seres humanos do sexo masculino podem ficar nisto longos minutos por não saberem ladrar.)
Um deles, o mais incomodado, impacienta-se e enche-se de coragem.
– Desculpe, está a olhar para mim porquê?
– Eu logo vi que se passava aqui qualquer coisa.
– Ai sim? Então o que se passa?
– Passa-se que você é que está fixado em mim!
– Não, está muitíssimo enganado! Eu sentei-me neste lugar e você é que começou nessa insistência.
– Então devo ser eu que tenho uma fixação em si! – e riu-se descarado, ainda com os olhos contra os olhos do outro. Escancarados.
O mais incomodado alarmou-se, endireitou-se muito no seu assento. Um suor frio crescia-lhe na pele e o outro apercebia-se disso. O outro apercebia-se de tudo isso, pois os seus olhos passeavam-se agora pelos pormenores do rosto em frente: primeiro a testa, depois a barba rija até às têmporas, o queixo carismático, ansioso, apetecível. Um calafrio atacou-lhe as costas e o homem incomodado esperneou a coluna.
– Tenha calma! – disse dócil o homem insistente e os olhos regressavam aos olhos do outro, os dele muito azuis e os outros quase negros, uns diluindo-se nos outros até nascer da união das cores um azul ameno, nocturno, consensual.
(O homem incomodado estava deveras incomodado, o coração palpitava como um sapo no pescoço e agora uma das pálpebras tremia ansiosa como um peixe fora de água.)
O outro repetia a frase dócil e aquele ouvia-a, acalmava-se um pouco, desejava que a frase se repetisse. O azul gerado pela união dos quatro olhos era agora um pouco mais líquido, havia qualquer coisa de translúcido naquele azul quase aquático.
– O que quer você de mim? – perguntou quase tímido e o outro devolveu-lhe um sorriso torto, no canto da boca, secreto como o fundo do mar.
– O que é que você acha que eu quero? – e o outro respondeu: "Não sei". O mesmo sorriso na boca do outro.
– Eu também não!
Fora um resto de viagem longo devido ao silêncio dos lábios e aos gritos dos olhos. O homem incomodado relaxara, adormecera os olhos no azul daquele olhar. Queria ir na corrente daquele rio e quase se deixou levar. Disse o homem insistente:
– Saio na próxima paragem! – e o homem incomodado teve pena. Quase perguntou: "E agora, quando o vejo?", mas apercebeu-se a tempo do seu ridículo. O outro desejou um: "Até à vista!" e o homem incomodado, triste com a partida, perguntou mais alto, como quem fala para um comboio em andamento:
– Mas por que me olha assim?
O outro olhava-o ainda, o rosto muito assimétrico por causa do sorriso no canto do rosto. Concluiu:
– Cada um vê o que quer. – e levantou-se.
O azul ameno separou-se então em duas cores: agora eram dois olhos azuis e dois quase negros, afastados para sempre. O homem insistente desdobrou então uma bengala e apontou-a para o chão. E ostensivamente, qual sabedor Tirésias, exibiu com orgulho a sua cegueira sábia.
O homem incomodado ficou a vê-lo caminhar para o lado de lá, muito devagar e hesitante, atrás da bengala que lhe ditava o caminho. Depois, quase acidentalmente, viu o seu próprio reflexo no vidro e olhou-se olhos nos olhos. A cor daquele olhar não era azul, mas antes negra como as trevas. Repetiu de si para si: "Cada um vê o que quer!" e deixou de se reconhecer no vidro devido à escuridão do olhar. Depois esqueceu-se de sair na sua paragem. No fundo esquecera-se de si próprio.
Sonhou toda a noite com o mar. Era um azul realmente inesquecível.
(Se um homem olha insistentemente para outro, este devolve-lhe um olhar ainda mais intenso. Os seres humanos do sexo masculino podem ficar nisto longos minutos por não saberem ladrar.)
Um deles, o mais incomodado, impacienta-se e enche-se de coragem.
– Desculpe, está a olhar para mim porquê?
– Eu logo vi que se passava aqui qualquer coisa.
– Ai sim? Então o que se passa?
– Passa-se que você é que está fixado em mim!
– Não, está muitíssimo enganado! Eu sentei-me neste lugar e você é que começou nessa insistência.
– Então devo ser eu que tenho uma fixação em si! – e riu-se descarado, ainda com os olhos contra os olhos do outro. Escancarados.
O mais incomodado alarmou-se, endireitou-se muito no seu assento. Um suor frio crescia-lhe na pele e o outro apercebia-se disso. O outro apercebia-se de tudo isso, pois os seus olhos passeavam-se agora pelos pormenores do rosto em frente: primeiro a testa, depois a barba rija até às têmporas, o queixo carismático, ansioso, apetecível. Um calafrio atacou-lhe as costas e o homem incomodado esperneou a coluna.
– Tenha calma! – disse dócil o homem insistente e os olhos regressavam aos olhos do outro, os dele muito azuis e os outros quase negros, uns diluindo-se nos outros até nascer da união das cores um azul ameno, nocturno, consensual.
(O homem incomodado estava deveras incomodado, o coração palpitava como um sapo no pescoço e agora uma das pálpebras tremia ansiosa como um peixe fora de água.)
O outro repetia a frase dócil e aquele ouvia-a, acalmava-se um pouco, desejava que a frase se repetisse. O azul gerado pela união dos quatro olhos era agora um pouco mais líquido, havia qualquer coisa de translúcido naquele azul quase aquático.
– O que quer você de mim? – perguntou quase tímido e o outro devolveu-lhe um sorriso torto, no canto da boca, secreto como o fundo do mar.
– O que é que você acha que eu quero? – e o outro respondeu: "Não sei". O mesmo sorriso na boca do outro.
– Eu também não!
Fora um resto de viagem longo devido ao silêncio dos lábios e aos gritos dos olhos. O homem incomodado relaxara, adormecera os olhos no azul daquele olhar. Queria ir na corrente daquele rio e quase se deixou levar. Disse o homem insistente:
– Saio na próxima paragem! – e o homem incomodado teve pena. Quase perguntou: "E agora, quando o vejo?", mas apercebeu-se a tempo do seu ridículo. O outro desejou um: "Até à vista!" e o homem incomodado, triste com a partida, perguntou mais alto, como quem fala para um comboio em andamento:
– Mas por que me olha assim?
O outro olhava-o ainda, o rosto muito assimétrico por causa do sorriso no canto do rosto. Concluiu:
– Cada um vê o que quer. – e levantou-se.
O azul ameno separou-se então em duas cores: agora eram dois olhos azuis e dois quase negros, afastados para sempre. O homem insistente desdobrou então uma bengala e apontou-a para o chão. E ostensivamente, qual sabedor Tirésias, exibiu com orgulho a sua cegueira sábia.
O homem incomodado ficou a vê-lo caminhar para o lado de lá, muito devagar e hesitante, atrás da bengala que lhe ditava o caminho. Depois, quase acidentalmente, viu o seu próprio reflexo no vidro e olhou-se olhos nos olhos. A cor daquele olhar não era azul, mas antes negra como as trevas. Repetiu de si para si: "Cada um vê o que quer!" e deixou de se reconhecer no vidro devido à escuridão do olhar. Depois esqueceu-se de sair na sua paragem. No fundo esquecera-se de si próprio.
Sonhou toda a noite com o mar. Era um azul realmente inesquecível.