Por volta das 9 horas, a mulherzinha saía de casa e descia a rua para ir ao alfarrabista embora já não ligasse propriamente a livros devido aos problemas que tinha na vista. Tenho cataratas, dizia sempre ao alfarrabista e a mulherzinha gostava do volume daquela palavra na boca por as sílabas serem curtas e saberem a água salgada. Tenho as cataratas do Iguaçu nos olhos, pensava (mas não dizia).
No fundo da loja do alfarrabista havia um armário largo com postais dentro. A mulherzinha escolhia uma gaveta ao acaso e dedilhava centenas de postais durante centenas de minutos até encontrar um retrato de que gostasse (um homem apoiado na bengala, uma mulher penteando longos cabelos, uma família à beira de um lago, duas crianças de mãos dadas). De quando em quando comprava postais de animais – um cavalo, um cão, um gato – mas era raro.
Por volta das 11, a mulherzinha voltava para casa arfando de cansaço e antes de se sentar na cadeira de baloiço, fazia um chá de jasmim na cozinha. Trazia um tabuleiro cheio de loiça que ia falando sozinha a cada passo até sossegar na mesa da sala. Havia o bule, a chávena, o pires, a colher de prata, o açucareiro e o pratinho com bolachas, raramente se esquecia de alguma peça. A mulherzinha bebia o chá de jasmim, comia as bolachas e depois recostava-se na cadeira, baloiçando-se ao som do postal novo.
Ontem trouxera o retrato de uma jovem de rosto escondido atrás de uma sombrinha, tinha sido uma boa escolha. Imaginara-se jovem burguesa sem cataratas nem artroses passeando-se no passeio público do século XIX. Encontrara o Senhor Veloso e a sua esposa, falaram do tempo e dos novos projectos arquitectónicos para a cidade, era realmente escandaloso acabar-se com o passeio público. No final da tarde juntara-se a Aurora Bonifácio, uma brasileira alegre de Porto Alegre e bebera chá da Índia no seu terraço. Tinha sido uma óptima tarde. No final, a mulherzinha dera um nome à personagem, escrevera-o no verso do postal e colocara-o na caixa destinada aos retratos.
Hoje trouxera a imagem de uma mulher idosa sentada numa cadeira de baloiço (de vez em quando também era preciso ser-se velha). Pegou na lupa para ver a sua personagem e ficou espantada ao reconhecer-se a si própria. A mulherzinha levantou-se devagar, dirigiu-se ao espelho da entrada, olhou para ele como há muito não fazia e confirmou: Sou eu. Voltou a sentar-se na cadeira de baloiço e pensou durante muito tempo. Desta vez não havia sonhos para sonhar, portanto a mulherzinha pôs o postal na caixa sem lhe dar um nome e resolveu limpar o pó da sala.Na manhã seguinte, às 9 horas, a mulherzinha saiu de casa mas já não desceu até à loja do alfarrabista. Subiu devagar pelo passeio torto arfando pelo caminho, já não se lembrava onde ia dar aquela rua. No final houve uma brisa forte que a ajudou a respirar, era um vento húmido, bem feito, bem-vindo. A mulherzinha fechou os olhos para sentir melhor o vento e ao abri-los viu as cataratas de Iguaçu, caíam violentamente do outro lado da rua. A mulherzinha sorriu satisfeita, era uma paisagem lindíssima.
No fundo da loja do alfarrabista havia um armário largo com postais dentro. A mulherzinha escolhia uma gaveta ao acaso e dedilhava centenas de postais durante centenas de minutos até encontrar um retrato de que gostasse (um homem apoiado na bengala, uma mulher penteando longos cabelos, uma família à beira de um lago, duas crianças de mãos dadas). De quando em quando comprava postais de animais – um cavalo, um cão, um gato – mas era raro.
Por volta das 11, a mulherzinha voltava para casa arfando de cansaço e antes de se sentar na cadeira de baloiço, fazia um chá de jasmim na cozinha. Trazia um tabuleiro cheio de loiça que ia falando sozinha a cada passo até sossegar na mesa da sala. Havia o bule, a chávena, o pires, a colher de prata, o açucareiro e o pratinho com bolachas, raramente se esquecia de alguma peça. A mulherzinha bebia o chá de jasmim, comia as bolachas e depois recostava-se na cadeira, baloiçando-se ao som do postal novo.
Ontem trouxera o retrato de uma jovem de rosto escondido atrás de uma sombrinha, tinha sido uma boa escolha. Imaginara-se jovem burguesa sem cataratas nem artroses passeando-se no passeio público do século XIX. Encontrara o Senhor Veloso e a sua esposa, falaram do tempo e dos novos projectos arquitectónicos para a cidade, era realmente escandaloso acabar-se com o passeio público. No final da tarde juntara-se a Aurora Bonifácio, uma brasileira alegre de Porto Alegre e bebera chá da Índia no seu terraço. Tinha sido uma óptima tarde. No final, a mulherzinha dera um nome à personagem, escrevera-o no verso do postal e colocara-o na caixa destinada aos retratos.
Hoje trouxera a imagem de uma mulher idosa sentada numa cadeira de baloiço (de vez em quando também era preciso ser-se velha). Pegou na lupa para ver a sua personagem e ficou espantada ao reconhecer-se a si própria. A mulherzinha levantou-se devagar, dirigiu-se ao espelho da entrada, olhou para ele como há muito não fazia e confirmou: Sou eu. Voltou a sentar-se na cadeira de baloiço e pensou durante muito tempo. Desta vez não havia sonhos para sonhar, portanto a mulherzinha pôs o postal na caixa sem lhe dar um nome e resolveu limpar o pó da sala.Na manhã seguinte, às 9 horas, a mulherzinha saiu de casa mas já não desceu até à loja do alfarrabista. Subiu devagar pelo passeio torto arfando pelo caminho, já não se lembrava onde ia dar aquela rua. No final houve uma brisa forte que a ajudou a respirar, era um vento húmido, bem feito, bem-vindo. A mulherzinha fechou os olhos para sentir melhor o vento e ao abri-los viu as cataratas de Iguaçu, caíam violentamente do outro lado da rua. A mulherzinha sorriu satisfeita, era uma paisagem lindíssima.