terça-feira, 31 de julho de 2007
A máquina de sonhos
segunda-feira, 30 de julho de 2007
O outro lado do espelho
sexta-feira, 27 de julho de 2007
O planeta azul
quinta-feira, 26 de julho de 2007
Conto infantil para adultos: A lição do zangão
Coitadinha da rainha, mal sabia ela que esta era apenas a primeira donzela a apaixonar-se pelo zangão que, exibindo o seu ferrão, tinha conquistado o coração de todas elas. Por conseguinte, no dia seguinte, o zangão voltou à colmeia e volta e meia lá foi visto com outra operária, de ferrão para o ar e a rolar pelo chão, na hora de produção da cera. Era deveras uma questão bem séria e a seguir foi a tragédia! Quando a abelha rainha os mandou chamar para os matar, todas as abelhas se atiraram para o mel para salvarem o zangão da sua punição. E o zangão, em vez de socorrer as abelhas, esticou as asas e as antenas e pôs-se a voar dali para fora. Ora ora, coitadinhas das donzelas que morreram afogadas no seu próprio mel. E coitadinha da rainha que chorou noite e dia pelas suas filhas. Quem sobreviveu disse adeus à colmeia vazia e Sua Alteza, cheia de firmeza, ia a sair do palácio quando chegou o zangão armando a confusão: "Peço a sua atenção, cara rainha! Tenho um plano para esta colmeia: dou-te um milhão de filhos e dividimos o reino a meias!". Não tendo à mão outra solução, a rainha aceitou a proposta do zangão. Jamais se assistira a tal caso pois naquela colmeia, agora cheia de abelhas, havia um zangão que reinava.
(Receita: para conquistar uma mulher e respectivo reino junte uma colher de mel e um beijo. Mexa bem em lume brando até a massa ganhar consistência. Sirva quente.)
quarta-feira, 25 de julho de 2007
Cântico Negro
Agora que a noite é total apetece-me coisas simples, sem-vontade, daí este vodka morno num copo quadrado de vidro grosso sem pés nem cabeça. Proposta: falemos da morte como quem fala do tempo, não há nada mais simples do que o fim, é um bom tema para uma noite como esta, digo-to eu que não principio nem acabo. E vou mais longe, para que esta noite total não seja triste: serás tão mais feliz na vida quanto mais pensares na morte, há uma espécie de catarse nesse pensamento, a alma fica mais branca, o sangue mais vermelho, a vida mais real. Somos dois lados do mesmo corpo, por isso te digo: lembra-te da morte para te lembrares da vida. Os outros – os que não pensam nela – amam o que é fácil. Eu, que não tenho luz nenhuma senão a luz do dia, desejo para a minha morte que outros venham comigo, detesto ir sozinho a sítios que não conheço, não sei por onde vou e fico nervoso, aflito, perdido. Por isso, na hora da morte, desejo que alguém me estenda os braços e me diga com olhos doces "Vem por aqui". Desejo o mesmo para ti e para todos os que me são queridos. Hoje apetece-me falar da morte como quem fala do tempo (há dias assim), amanhã falaremos de outra coisa. Alguém chorará por ti, não te preocupes, somos todos muito bons quando morremos, é um final bonito para os mortos. Depois, quando chegares ao reino de Hades, sugar-te-ão o sal da pele, a espuma, o sangue, os cânticos dos lábios. E nós, os vivos, para quem o fim é sempre triste, cantaremos por ti.
terça-feira, 24 de julho de 2007
Discurso recursivo
segunda-feira, 23 de julho de 2007
A mulherzinha
No fundo da loja do alfarrabista havia um armário largo com postais dentro. A mulherzinha escolhia uma gaveta ao acaso e dedilhava centenas de postais durante centenas de minutos até encontrar um retrato de que gostasse (um homem apoiado na bengala, uma mulher penteando longos cabelos, uma família à beira de um lago, duas crianças de mãos dadas). De quando em quando comprava postais de animais – um cavalo, um cão, um gato – mas era raro.
Por volta das 11, a mulherzinha voltava para casa arfando de cansaço e antes de se sentar na cadeira de baloiço, fazia um chá de jasmim na cozinha. Trazia um tabuleiro cheio de loiça que ia falando sozinha a cada passo até sossegar na mesa da sala. Havia o bule, a chávena, o pires, a colher de prata, o açucareiro e o pratinho com bolachas, raramente se esquecia de alguma peça. A mulherzinha bebia o chá de jasmim, comia as bolachas e depois recostava-se na cadeira, baloiçando-se ao som do postal novo.
Ontem trouxera o retrato de uma jovem de rosto escondido atrás de uma sombrinha, tinha sido uma boa escolha. Imaginara-se jovem burguesa sem cataratas nem artroses passeando-se no passeio público do século XIX. Encontrara o Senhor Veloso e a sua esposa, falaram do tempo e dos novos projectos arquitectónicos para a cidade, era realmente escandaloso acabar-se com o passeio público. No final da tarde juntara-se a Aurora Bonifácio, uma brasileira alegre de Porto Alegre e bebera chá da Índia no seu terraço. Tinha sido uma óptima tarde. No final, a mulherzinha dera um nome à personagem, escrevera-o no verso do postal e colocara-o na caixa destinada aos retratos.
Hoje trouxera a imagem de uma mulher idosa sentada numa cadeira de baloiço (de vez em quando também era preciso ser-se velha). Pegou na lupa para ver a sua personagem e ficou espantada ao reconhecer-se a si própria. A mulherzinha levantou-se devagar, dirigiu-se ao espelho da entrada, olhou para ele como há muito não fazia e confirmou: Sou eu. Voltou a sentar-se na cadeira de baloiço e pensou durante muito tempo. Desta vez não havia sonhos para sonhar, portanto a mulherzinha pôs o postal na caixa sem lhe dar um nome e resolveu limpar o pó da sala.Na manhã seguinte, às 9 horas, a mulherzinha saiu de casa mas já não desceu até à loja do alfarrabista. Subiu devagar pelo passeio torto arfando pelo caminho, já não se lembrava onde ia dar aquela rua. No final houve uma brisa forte que a ajudou a respirar, era um vento húmido, bem feito, bem-vindo. A mulherzinha fechou os olhos para sentir melhor o vento e ao abri-los viu as cataratas de Iguaçu, caíam violentamente do outro lado da rua. A mulherzinha sorriu satisfeita, era uma paisagem lindíssima.
sexta-feira, 20 de julho de 2007
A frase
Depois divagou um pouco. Era uma bela imagem aquela (se ele a agarrasse), ele a roubar-lhe um beijo, ela ainda em fuga. No fundo tudo seria mais simples, se a vida fosse uma banda desenhada. Pendurava-se as frases em qualquer lado com molas de madeira e o resto eram quadrados de imagens, sem pressa nem contradições: ela a dizer, ele a ouvir, ela a fugir, ele a puxar, ele a beijar, ela a deixar. Seriam as imagens perfeitas de eles próprios.
No cimo da rua aparecia então a casa e ela subia decidida, os passos largos e a cabeça erguida, tinha seis palavras coladas ao céu-da-boca e saboreou-as uma última vez antes de entrar. Ele esperava-a afinal cá fora e ela quase tropeçou nas pernas ao vê-lo. Nesse momento desconcentrou-se, esqueceu-se, desculpou-se e engoliu as palavras com a última leva de saliva. Os olhos dele puxavam os olhos dela, quatro olhos escancarados, extasiados, encadeados. Não disseram nada e os olhos dele começaram de repente a afastar-se, passaram brevemente pela testa dela e subiram em direcção ao céu. Ela olhou para onde ele olhava e o que viu espantou-a.
No alto da sua cabeça surgia um balão enorme que trazia escrito: Agarra-me. Depois olharam os dois para a rua e viram mil e um balões brancos alinhados no passeio. Diziam: Não consigo pensar no que sinto. Ficaram a ver os balões subir durante muito tempo, não disseram nada. No final, quando os balões desapareceram no céu, olharam-se novamente, os olhos de um dentro dos olhos do outro. No meio deles brotaram então mil e um balões vermelhos, tinham a forma de coração e pulsavam sozinhos. Ele agarrou-a com uma mão e com a outra os balões. Subiram lentamente até às nuvens. Eram a imagem perfeita de eles próprios, não pensavam no que sentiam.
quinta-feira, 19 de julho de 2007
A nuvem mais escura
quarta-feira, 18 de julho de 2007
Pedaços
O menino tinha um tique nervoso, que era afinal um hábito ou um vício, segundo a educadora de infância. De resto, era igual aos outros meninos: não gostava de se assoar, não brincava com meninas e não comia a sopa até ao fim. O tique nervoso, que era afinal um hábito ou um vício, era este: frequentemente, o menino encostava-se a um canto sozinho com uma folha de papel e rasgava-a devagarinho até os pedaços de papel desaparecerem de tão rasgados que estavam. No fim, a educadora varria os pedacinhos de papel em silêncio, mas havia sempre um ou outro que sobrevivia ao arrastão. O menino apanhava-os contente e guardava-os no bolso. A mãe era mais eficiente, pegava no Black & Decker e engolia todas as peças de uma só vez, dizendo coisas indecifráveis ao som do aspirador.
Um dia, ao ver o menino ocupado com os seus pedaços de papel, o pai perguntou: "O que é isso?" e o menino disse: "São as peças do jogo!". O pai gritou "Eureka!" e foi a correr comprar um puzzle de 16 peças, outro de 49, outro de 250, outro de 500 e finalmente outro de 1000. O menino encantou-se com tantas prendas, brincou com o primeiro puzzle, depois com o segundo até que, no final da tarde, se recolheu a um canto para rasgar as folhas de instruções. Nunca mais voltou a brincar com os puzzles.
Certo dia, semanas mais tarde, a mãe vinha de Black & Decker em punho e perguntou impaciente: "Para quê tantos pedaços de papel?" e o menino, debruçado sobre eles, respondeu: "Para serem muitos!". A mãe telefonou a correr para o marido e disse: "O menino não quer ser sozinho!" e, nessa mesma noite, mãe e pai trataram do assunto. Nove meses depois nascia a irmã e o menino encantou-se com a prenda: dava-lhe festinhas enquanto dormia, falava baixinho ao seu ouvido, ficava a vê-la tomar banho. De resto, nas horas mortas, encostava-se a um canto e rasgava papel.
Até que, numa manhã de Primavera, ninguém disse nada. O menino estava sozinho na sala a rasgar papel, tão sozinho que até o barulho do papel ecoava nas paredes. No fim, o menino suspirou. "Pena ter de se deitar fora o papel", pensou e de repente lembrou-se que podia colar os pedacinhos de papel. O menino passou toda a manhã a colar o papel ao chão e, quando já lhe doíam o pescoço e as pernas por causa da posição, ainda foi buscar as canetas de feltro e pintou todos os pedacinhos com cores diferentes. Só tinha 12 canetas mas misturou todos os tons possíveis, para que as cores não se repetissem.
Quando os pais chegaram, o menino apontou orgulhoso para o chão. A mãe levou a mão à boca e depois ao peito, o pai pousou a mão na cabeça e deixou-a ficar. Perguntaram ao mesmo tempo: "Mas o que é isto?" e o menino franziu a testa intrigado. Olhou para o chão, depois para os pais, voltou a olhar para o chão e depois para os pais. "Então não se vê logo que é um quadro?".
terça-feira, 17 de julho de 2007
A queda
segunda-feira, 16 de julho de 2007
Sonho de uma noite de Verão
sexta-feira, 13 de julho de 2007
A mulher do eléctrico
quinta-feira, 12 de julho de 2007
Sonho português
Mais um amor correspondido.
Felizes de nós, marinheiros tristes.
quarta-feira, 11 de julho de 2007
Voltar
terça-feira, 10 de julho de 2007
Heitor, o explorador
Mas, no sétimo dia, apareceu finalmente uma mosca. A rã disse-lhe "Ó mosca, eu era pescador e depois explorador e, de repente, acordei uma manhã e era rã! Se me deres um beijo, quebrarás o feitiço!". A mosca fez-se rogada, não era nenhuma beijoqueira ao serviço de feitiços, mas teve pena do anfíbio sozinho na jangada de madeira. "Pois bem, marinheiro, aqui vou eu para te dar um beijo!". Heitor deu um salto bem alto e gritou de alegria em contrabaixo. Enquanto a mosca voava até si, disse a rã de si para si: "Eu estou apaixonado pela mosca, pois só o verdadeiro amor quebrará o feitiço". Fechou os olhos com força e concentrou-se no seu amor. Mas no momento do beijo, em vez dos lábios, a rã ofereceu a língua, engolindo o insecto de seguida. A natureza assim o quis: não se pode enganar a fome. E o pobre Heitor chorou infeliz a sua sorte.