O senhor que passeia no parque traz um chapéu na cabeça. Ao longe, e apesar de ser preto, brilha. O chapéu, não o senhor.
(O senhor não é preto, é branco.)
O chapéu, que é preto, brilha sempre. Com ou sem sol. Brilha.
Hoje, por exemplo, não está sol. Há nuvens escuras no céu, quase chove, e no entanto o chapéu deste senhor brilha. Ao longe e ao perto.
Além de preto, é alto, magro, bem parecido, tem umas asas curtas. Perdão, abas: o chapéu tem abas curtas.
Trata-se evidentemente de uma cartola. Insisto: o senhor que passeia no parque traz uma cartola na cabeça. Isto provoca em nós (em mim e no narrador) tal estranheza que gostaríamos de o seguir. Infelizmente nenhum dos dois tem tempo e ficamos só a observar.
Trata-se evidentemente de uma cartola. Insisto: o senhor que passeia no parque traz uma cartola na cabeça. Isto provoca em nós (em mim e no narrador) tal estranheza que gostaríamos de o seguir. Infelizmente nenhum dos dois tem tempo e ficamos só a observar.
O senhor anda muito devagar. De vez em quando pára, fica a olhar as árvores e as pessoas, tira um relógio do bolso, consulta as horas.
Para ajudar no lento compassar do passo, traz uma bengala, embora não se apoie nela. Em vez disso, empurra-a para a frente com força, poisa-a assertivamente no chão - os movimentos são largos e perigosos. De vez em quando gira a bengala no ar.
Para ajudar no lento compassar do passo, traz uma bengala, embora não se apoie nela. Em vez disso, empurra-a para a frente com força, poisa-a assertivamente no chão - os movimentos são largos e perigosos. De vez em quando gira a bengala no ar.
O senhor que passeia no parque vem vestido de fraque. O peito é inchado e a cauda comprida: parece um melro. O senhor que passeia no parque parece um melro. De facto.
Tem também um lenço de seda ao pescoço.
(Um homem de se lhe tirar o chapéu.)
Quero saber de onde vem este homem, para onde vai, qual a sua profissão, intenção, confusão. O narrador diz-me: Louco não é. Realmente, não é. Actor também não.*
Portanto, das duas, uma: o senhor que passeia no parque ou é mágico, ou é cientista. E nunca os dois ao mesmo tempo.
Se for mágico, tira coelhinhos brancos da cartola.
Se for cientista, descobriu a máquina do tempo e anda a passear no futuro.
Qualquer uma das hipóteses nos parece plausível, por isso, colocamos as duas.
Eu e o narrador voltamos para casa. Para investigar o caso.
*O narrador desta história não é omnisciente, mas reserva-se o direito de saber certas coisas. Uma delas é esta: o senhor que se passeia no parque não é louco nem actor.