O escritor estava no quarto a escrever. Sentava-se à escrivaninha e rabiscava num caderno liso. O escritor todo-poderoso escrevia sobre a cidade, sempre sobre a cidade, aquela cidade, a sua. O texto que andava a escrever desde ontem chamava-se justamente Cidade.
O escritor fez uma pausa na escrita. Para ir à casa de banho e lavar as mãos. De vez em quando fazia isto para refrescar não as mãos, mas as ideias. Quando regressou ao seu lugar, olhou pela janela. Para espreitar a cidade. Aquela cidade. Pensou: "Na quietude de coisa já vivida".
Nesse momento, mal o pensamento ocorrera, o escritor irritou-se, fartou-se, desesperou-se. Não da escrita, não do quarto, não da janela, não das mãos, não do pensamento, mas da cidade. Daquela cidade. Da sua cidade.
O escritor todo-poderoso não fez mais nada: agarrou na cidade pelos cabelos, amachucou-a e deitou-a para o cesto dos papéis. Depois, aliviado, regressou à escrita. Ao tal texto que se chamava Cidade.