quarta-feira, 19 de novembro de 2008

Mulher magríssima

Andam imensas mulheres no mercado da Flagey, mas hoje só nos interessa aquela ali ao fundo, muito magra e direita. Tem cabelos cinza, muito esticados e enrolados para dentro. Caem por cima dos ombros como cortinas. Os lábios são gretados e o queixo também. A testa também. Na verdade, o rosto todo. (Vista ao perto, a cara desta mulher mais parece um puzzle de mil peças, de dez mil peças.)
Magríssima. Pele a mais para os ossos salientes. Pena não termos qualquer interesse pelo corpo humano, porque se tivéssemos poderíamos até estudar anatomia a partir do corpo desta mulher: na anca, depois do cinto teso de cabedal, avistamos o extremo do fémur, o grande trocanter, e mais abaixo a rótula e depois a tíbia, muito saliente e comprida, o mais longo dos ossos. Virou-nos as costas a mulher magra, está a pagar ao vendedor. Daqui se vêm as omoplatas e as costelas. Uma mulher magríssima com uma certa força na pose. Deve fazer yoga ou stretching, uma dessas aulas modernas, pois tem a coluna direitíssima e a pélvis bem centrada. Vem ao mercado comprar mangas.
Está a subir agora a Rue Malibran com a caixa ao colo. Uma caixa de cartão. Uns três quilos de mangas, se não mais. Tem o carro estacionado a meio da rua, um renault twingo azul escuro, com três portas. Abre o porta-bagagens, atira com a caixa lá para dentro, fecha o porta-bagagens, contorna o carro, entra no carro. Parece satisfeita.
A mulher magríssima vem todos os domingos ao mercado comprar mangas. A destreza dos movimentos denunciam-lhe o hábito. Se viesse comprar laranjas, ou cebolas, ou batatas, ou maçãs, ou café, ou cigarros, ou revistas cor-de-rosa, seria uma mulher normal. Mas não, esta mulher não quer nada disso.
É louca por mangas. Come mangas desenfreadamente.
Um vício, no mínimo, esquisito.