Abriu uma porta do armário, tirou um copo, abriu a torneira. Ergueu o copo cheio como outros erguem o cálice do vinho.
Bebeu. E suspirou.
Limpou a boca com as costas de uma mão e reparou que estavam secas:
a boca e a mão.
Tinha sede. Imensa sede. Bebeu mais um copo de água. Dois copos de água, três, quatro.
- Este copo é pequeno! - concluiu, e atirou-o para o chão.
O copo partiu-se.
Abriu uma porta do armário e tirou uma taça. Achou-a pequena. Tirou uma taça maior, depois outra. Eram todas pequenas. Atirou-as para o chão.
Partiram-se.
Abriu outra porta e tirou um tacho, depois outro. No final, tirou uma panela de pressão. Pousou a panela no lavatório e encheu-a de água. Enquanto esperava, outra espécie de água brotava da boca. Quis beber mas os braços não conseguiam levantar a panela. Debruçou-se sobre o lavatório e sorveu a água com a língua.
Desistiu.
Tirou a panela do lavatório e enfiou nele a cabeça. Abriu a torneira, molhou o rosto e os cabelos. Depois bebeu toda a água que o corpo permitia. Finalmente, fechou a torneira e caiu no chão com o peso do líquido.
Os vidros enfiaram-se no corpo e havia sangue no chão da cozinha. Suspirou e nessa altura reparou que os lábios continuavam secos. Quis levantar-se para beber e não conseguia.
Era uma sede inexplicável, impossível, insaciável.
Arrastou-se até ao lavatório e ergueu-se com a ajuda das mãos. Estendeu a língua por baixo da torneira e saboreou uma gota que caía. Não tinha força para rodar o manípulo, mas tinha sede. Imensa sede.
Uma luta aterradora contra o próprio corpo.
Declarou:
- A sede da minha alma é indomável.
E abriu a torneira.