quinta-feira, 24 de janeiro de 2008

O ponteiro dos segundos

A mulher ouviu o ponteiro pela primeira vez.
Parou de trabalhar.
(Estava sozinha naquele gabinete e nunca antes se tinha apercebido do tempo a passar.)
Observou o relógio de parede e acompanhou os segundos com os olhos. Depois voltou aos ouvidos e logo a seguir desceu até ao peito: ouviu os segundos com o coração.
Eram três ponteiros, mas só um se mexia.
Esperou muitos segundos para apreciar o movimento dos minutos.
Chegada a sua vez, o ponteiro dos minutos moveu-se quase imperceptivelmente: inclinou a cabeça devagar e subitamente já apontava para o minuto seguinte.
O mesmo se passava com o ponteiro das horas. Era tão discreto no seu movimento que as horas não passavam.
A mulher apercebeu-se que, naquele escritório, apenas dois seres se mexiam:
1) ela própria,
2) o ponteiro dos segundos.
Contemplou a estagnação do gabinete, de maneira que agora só o ponteiro se mexia.
(Ouvia os segundos com o coração.)
Passado algum tempo, a mulher deu por si a movimentar os dois olhos.
De um lado para o outro. Ao som do ponteiro.
A mulher passou 100 segundos nisto.
Depois parou. Doíam-lhe os músculos oculares.
A mulher pensou: O movimento dos ponteiros do relógio faz sentido porque tem um sentido.
O movimento dos olhos não.
A mulher concluiu: Não faço sentido porque não tenho um sentido.
Consultou o relógio.
Disse: Não tenho tempo para isto.
E continuou a trabalhar.
No sentido dos ponteiros do relógio.