Começa hoje a série "Conto infantil para adultos"
com publicação às terças-feiras,
à excepção de hoje!
com publicação às terças-feiras,
à excepção de hoje!
Dois duendes andam pela dispensa a roubar chocolates, que são para dar às crianças. Um é mais velho do que o outro, logo tem uma barriga maior e um colete mais gasto, bem como um ar mais sereno e uma certa inteligência na voz. De resto, parecem irmãos: vestimenta verde, olhos muito redondos, bochechas inchadas, sapatos compridos e, claro está, o chapéu em forma de funil muito preso à cabeça. São extremamente pequenos, daí que ninguém os ouça nem os veja. O mais novo não parece satisfeito. Confessa:
- Estou farto de ser duende!
- Farto de ser duende?!
- Sim, estou farto.
- Mas como podes estar farto de ser quem és?
- Porque quero ser outra coisa.
- Outra coisa?! Não há nada mais divertido do que ser duende!
- Dizes tu, que nunca fizeste mais nada na vida.
- E que queres tu fazer da tua?
- Não sei! Mas estou farto de ser duende.
- Tu já nasceste assim! Não podes ser outra coisa qualquer!
- Posso sim! Garanto-te que vou deixar de ser duende.
- Para passares a ser o quê?
- Não sei! Mas não quero ser como os outros. Os duendes são irritantes.
- Irritantes?!
- Sim, irritantes! Estão-se sempre a rir e só fazem coisas boas.
- E isso é mau?
- Não, daí que sejam ainda mais irritantes. Estou farto de ser bonzinho! A partir de hoje vou fazer tudo ao contrário.
- Ou seja, nunca mais te vais rir e só vais fazer coisas más?
- Por exemplo! Porque não? Seria algo inovador!
- Mas as crianças deixariam de gostar de ti!
- Não, eu é que deixo de gostar delas!
- Porquê?
- Porque são estúpidas! Estão sempre a crescer e depois deixam de nos prestar atenção!
- Mas isso é a ordem natural das coisas!
- Uma ova! Natural é haver o Bem e o Mal! E eu vou ser mau, que é para se lembrarem de mim para sempre!
E foi assim que o duende revoltado se tornou bicho papão. Entrava às escuras no quarto das crianças para elas não verem a sua pequena estatura e dizia coisas horríveis numa voz muito grossa. Mas, certa vez, uma criança assustada perguntou:
- Quem te fez mal?
O papão assustou-se. Respondeu:
- Ninguém!
A criança calou-se pensativa. Disse por fim:
- Então não és um papão! - e acendeu a luz.
O papão assustou-se. Respondeu:
- Ninguém!
A criança calou-se pensativa. Disse por fim:
- Então não és um papão! - e acendeu a luz.
Ao mesmo tempo fez-se luz na cabeça do duende e ele voltou à dispensa para roubar chocolates. Perguntaram-lhe:
- Então agora já és bom?
- Pois! Parece que já nasci assim!
Era a vitória do Bem sobre o Mal.
Por essa altura, uma criança entrou na dispensa e atirou com um pacote de arroz para a prateleira. Infelizmente acertou em cheio no duende revoltado matando-o instantaneamente.
Era a vitória do Caos.