segunda-feira, 30 de junho de 2008

Noves fora, nada

O homem-que-conduzia-autocarros não conseguia pensar enquanto conduzia. Havia muitas interrupções, infracções, distracções. E passageiros. Que perguntavam, compravam, entravam, saíam, reclamavam, pediam, ordenavam.
Era impossível pensar.
E portanto, em vez disso, o homem-que-conduzia-autocarros contava: somava, subtraía, dividia, multiplicava, calculava raízes quadradas. Tudo de cabeça.
Era curioso, por exemplo, que a carreira do autocarro vinte e sete tivesse exactamente vinte e sete paragens.
O homem-que-conduzia-autocarros não tardara a perceber isto: 2+7=9.
E noves fora, nada.
Outra coincidência era o facto de o seu percurso demorar trinta e seis minutos. O homem-que-conduzia-autocarros tinha um relógio-cronómetro e, em média, de facto, o percurso demorava exactamente 36 minutos.
3+6=9.
E noves fora, nada.
(O homem-que-conduzia-autocarros sublinhava o número nove para que ninguém o confundisse com o seis.)
Nas contagens de passageiros, o número nove era também o mais comum. Em muitas paragens saíam nove passageiros. Noutras entravam outros nove. E na carreira da noite, quando passava em Montgomery às 23 e 40 (Dois mais três são cinco e mais quatro faz nove), o autocarro só já trazia nove pessoas.
O homem-que-conduzia-autocarros começou então a ver o número nove em todas as coisas. Nove botões nas camisas, quarenta e cinco semáforos (4+5=9), vinte e sete Estados-Membros (2+7=9), dezoito curvas à direita (1+8=9).
Anos mais tarde (precisamente nove), o homem-que-conduzia-autocarros enlouqueceu.
E tudo por não conseguir pensar. Enquanto conduzia.
Ou por contar enquanto conduzia.
Por pensar sobre o que contava.
Por conduzir enquanto contava.
Ou por não o deixarem pensar.