domingo, 8 de junho de 2008

O homem ilimitado

Para o Bandarra.

Descobriu justamente nesse dia que era um homem da natureza e não um homem da cidade. Esta era, para si, uma descoberta e não uma decisão, daí que usemos a forma verbal descobriu.
Claro que este homem continuaria a viver na cidade, o que não era per se dramático, dado que estava também apaixonado pela maquinaria, pela tecnologia e a interacção atómica. A cidade era bonita por causa da engenharia que havia nela e o homem era feliz ali.
Mas era, para todos os efeitos, um homem da natureza.
Naquele domingo, para comemorar esta sua descoberta, o homem da natureza decidiu semear uma árvore. Sim, semear. Era aliás um dia bom para o fazer (o sol era translúcido e o vento dançava no cabelo das nuvens). Há muito tempo que não semeava uma árvore e tinha saudades da terra. Desta vez, todavia, não desejava semear apenas, queria uma árvore para sempre, que durasse toda a vida, que fosse além dela: uma árvore sem fim.
A ideia era tão fascinante que o homem da natureza assobiou um assobio de flauta celta.
Dado que não tinha um jardim nas traseiras da sua casa – sita no primeiro andar de um prédio sem varandas – o homem da natureza decidiu que a árvore seria pequena. Gostava de certas artes orientais, incluindo literatura e princípios decorativos, e nesse momento ocorreu-lhe a palavra bonsai.
Saiu de casa.
Para comprar uma semente, bem como um vaso, um saco de terra, um regador, um par de luvas e uma tesoura de poda.
Muitos dos leitores que nos acompanham até agora acham este comportamento estranho. Admitamos que nenhum homem convencional compra sementes, muito menos um regador e uma tesoura de poda. Mas aquele homem era assim: ilimitado, indomável, infinito.
Após uma conversa com a florista da esquina, que incluiu técnicas de irrigação e comprimento de folhas, o homem da natureza decidiu-se pela semente de pinus pinea: sempre sonhara em ter um pinheiro em casa. Para o enfeitar no Natal e pintar as pinhas. Para comer pinhões sempre que lhe apetecesse.
E nesse dia, o tal domingo de sol translúcido, o engenheiro de ciências de tecnologia semeou um pinheiro na cidade, precisamente na sala de estar. Isto emocionava-o.
(A vida a começar, a árvore por ser, a natureza.)
Era um homem maior do que os outros. Orgânico. Impossível. Real.

A narradora disse: Se ele não existisse, inventava-o.
Uma presunção ridícula, claro.