quarta-feira, 4 de junho de 2008

A cidade azul

A cidade é escura e as pessoas são tão brancas. Fosse a cidade menos escura e as pessoas menos brancas, seriam um pouco mais compatíveis. As pessoas e a cidade.
Isto pensava Klaas, que era um rapaz sensível. Pensava frequentemente em coisas assim, menos quotidianas, menos práticas, potencialmente inúteis.
Klaas imaginou depois uma cidade que não esta e fechou os olhos para que ela existisse. Era uma cidade azul: o céu e a terra unidos pela cor, o azul em cima muito claro e o do chão muito escuro, entre um e outro um esbatimento perfeito de azul que pintava as fachadas, as praças, os bancos, as estátuas, os carros, as pessoas. O azul mexia-se com o vento, ia e vinha como os reflexos na água. Alguns prédios eram azul-água, outros azul-turquesa. As árvores baloiçavam quase líquidas, marinhas, as pessoas tristes tinham o rosto violeta, as menos tristes um azul neutro. Mas o primeiro azul, o original, o primário, primitivo, esse morava apenas nos olhos da rapariga. A dos cabelos aos caracóis, que apanhava o 27.
O Klaas decidiu que todas as manhãs, essa rapariga que apanhava o 27 sairia no Sablon para dar cor e vida aos vitrais da igreja, e anunciar o dia. Um milagre em tons de azul. Klaas decidiu também que o sol da cidade azul estava nos olhos da rapariga que apanhava o 27.
Depois abriu os olhos para apanhar o 27. E lá estava a rapariga dos caracóis a acordar a cidade.
Azul não era uma cor original para os olhos da rapariga do 27. Disto apercebeu-se Klaas, por que os olhos já eram efectivamente azuis.
Klaas aproximou-se da rapariga para vislumbrar melhor a cor dos olhos e viu que eles eram afinal, não de um azul original, mas de um appel-blauw-zee-groen, uma cor que só os flamengos conhecem. Entre o verde e o azul, a maçã e o mar. Havia nessa cor um certo mistério, uma certa verdade, um certo pecado. Isso fez com que Klaas esquecesse as pessoas e a cidade.
Nesse preciso momento, os olhos da rapariga nasceram repentinamente para Klaas. Era um olhar fulminante e Klaas caiu no chão, ofuscado.
Para os da cidade escura, o rapaz estava cego. Para os da cidade azul, era um recém-chegado. Para ela, um comum-mortal.