segunda-feira, 23 de junho de 2008

Sol

Naquela manhã, porém, a vida era um pouco menos triste por causa do sol que rompia as persianas e a D. Teresa, que há vários dias não saía da cama por causa da dor nos ossos, do peso insustentável do corpo e de uma certa pressa de morrer, levantou-se quase sem dor e abriu a janela para saborear a luz. Dizemos saborear a luz, porque de facto a D. Teresa escancarou a janela, apoiou os braços no parapeito e abriu a boca para a manhã, saboreando-a.
De vez em quando fechava a boca para o sol crepitar no céu do corpo (isto lembrava-a o algodão doce da feira popular). Fechava também os olhos, para que eles vissem outros lugares, os mesmos de outra época já que a imaginação não ia além da memória.
D. Teresa sentia-se de tal forma feliz que lançou os braços para o dia e deitou literalmente a língua de fora (as papilas gustativas, em contacto directo com o sol, abriam-se como poros).
Uma manhã suculenta, disse de si para si.
Mas de repente, quando a tarde caiu, D. Teresa assustou-se e pediu àquela manhã que não partisse, que voltasse, que fosse para sempre. Agarrou então o sol com as mãos, puxou-o com todas as forças que tinha, atirou-o para dentro de um frasco e guardou-o no frigorífico.
Depois saiu. Para comprar baguetes.
Tinha uma enorme vontade de comer pão com sol.