O meu vizinho finge falar sozinho mas eu bem sei que fala com o cão. Passeiam-se pelo quarteirão e eu passo por eles de manhã. Não percebo o que dizem.
O vizinho vê-me, ri-se, cumprimenta. Diz: Bonjour! como quem fala às crianças e eu sorrio. Queixamo-nos normalmente do frio.
À noite desce as escadas desde o 4.º andar e fica à porta do prédio a falar baixinho. O cão ouve-o e cheira insistentemente o passeio. Encontro-o à entrada: eu de saco de lixo na mão e ele de cigarro na boca. Falamos do lixo ou do cão.
À noite desce as escadas desde o 4.º andar e fica à porta do prédio a falar baixinho. O cão ouve-o e cheira insistentemente o passeio. Encontro-o à entrada: eu de saco de lixo na mão e ele de cigarro na boca. Falamos do lixo ou do cão.
Ontem contou-me que tem família em Itália e eu interessei-me. Um minuto e meio de conversa. Depois perguntou-me: Também tem família em Itália? e eu disse que não.
O meu vizinho polaco ficou desolado por eu não ter família em Itália. Apercebi-me disso enquanto abria a porta. Corrigi a tempo: Vou procurar um primo em Roma. Gostava de ter família em Roma.
Ele riu-se. Eu também. Passou-lhe a tristeza. Deseja-me: Bonne nuit! como quem promete sonhos. Respondo no mesmo tom e subo a escada a rir.
Há nestes encontros uma dimensão de amor: o meu vizinho gostava de ser meu avô.
Há nestes encontros uma dimensão de amor: o meu vizinho gostava de ser meu avô.
Estava a meio das escadas e decidi aprender polaco.
Para ser sua neta, claro. E falar com o cão.