Aquele vampiro foi à missa e nem sequer acreditava. Há anos que não entrava numa igreja e logo naquele domingo de Páscoa decidiu: Vou à missa. E foi.
Disse a quem o ouviu que ia à igreja ouvir o órgão antigo, de cantar austero e olhar profundo, soturno, vestido de negro. Disse: Aquele órgão com cara de Nosferatu, e logo se arrependeu da comparação. Tossiu, tropeçou, disse muito alto: Aquele órgão com cara de Adamastor. (Por ter barba nas pontas e todas as tormentas no rosto.)
Foi à missa.
O homem de Deus anunciou: Vós sois o sal da terra! e nisto o vampiro chorou o sal de dentro. Assim: de súbito, inexplicavelmente, de marinheiro em alto-mar. O padre falou da ressurreição de Cristo e o vampiro estremeceu, cheio de pecado. (Teve terror a Deus, imenso terror a Deus.)
Foi à missa.
O homem de Deus anunciou: Vós sois o sal da terra! e nisto o vampiro chorou o sal de dentro. Assim: de súbito, inexplicavelmente, de marinheiro em alto-mar. O padre falou da ressurreição de Cristo e o vampiro estremeceu, cheio de pecado. (Teve terror a Deus, imenso terror a Deus.)
Quando o órgão cantou no fundo do seu corpo, o vampiro perdeu as asas, virou peixe, entrou numa enorme boca. Chamou-a: Adamastor, e morreu.
Três dias depois abriu-se um caixão e dele saiu um vampiro. Renovado, inspirado, impossível. Disse: Sou Orfeu, por trazer música no corpo. Os homens disseram: É a ressurreição de Nosferatu.
Três dias depois abriu-se um caixão e dele saiu um vampiro. Renovado, inspirado, impossível. Disse: Sou Orfeu, por trazer música no corpo. Os homens disseram: É a ressurreição de Nosferatu.
Mas não era. No corpo do homem renascia a própria música, de cantar austero e olhar profundo, soturno, vestido de negro. Uma música um pouco mais real, brutal, divina.
Pelas ruas da cidade andava pé ante pé o órgão daquela igreja, com cara de Nosferatu ou Adamastor, cheio de pecado na voz. Apelidaram-no erradamente de vampiro ressuscitado por desconhecerem o rosto da música.
Do pecado.
Do sal da terra.
E de Deus.