E ao ver o mar morria um pouco por nascer de outra forma, os olhos vacilavam nas ondas e a boca enchia-se de água. Sentia-se - por assim dizer - inteira e naquele dia, quis ser mar e foi desaguar na maré baixa, longínqua como os horizontes. Um erro de perspectiva e, ao esticar as mãos, os dedos pareciam dedilhar as ondas, as unhas crepitavam à superfície com a espuma. Os pés enterravam-se finalmente na água e as pernas eram longas, movediças, instáveis. Disse: "Sou mar!" e saboreou o último raio de sol no rosto. Depois dissolvera-se na maré, era agora um corpo em estado líquido. Ao provar a sua saliva, disse de si para si: "Sou salgada!". Um corpo dentro de outro corpo, sem limites, era uma parte do todo. De repente desejou que alguém a bebesse, quis ser o sabor salgado numa língua qualquer. Mas normalmente queria ser apenas sal, sonhava que era um grão no topo de uma salina, branca como os sonhos bons. De resto parecia reconciliada com o seu corpo em estado líquido. Era uma parte de mar, esquecia-se muitas vezes do corpo anterior a este. Quando tentava entender-se, dizia de si própria: "Sou o sal da água" e rebentava vaidosa com as ondas.