O filho da decoradora tinha 9 anos quando disse à mãe: "Só agora é que percebi o que fazes.". Estavam a lanchar na cozinha, os dois a beber leite e a comer pão com manteiga. A mãe não percebeu logo a frase e o filho explicou: "Antes achava que decoravas mesmo as casas!".
A mãe engoliu o último gole de leite e esclareceu que era isso mesmo que ela fazia. O filho continuou: "Não, mas tu decoras no sentido de pôr bonito e eu achava que decoravas no sentido de decorar mesmo, como quem sabe a tabuada!". A mãe riu-se: "Então tu achavas que a mãe ia a casa das pessoas decorar a tabuada?". "Não, achava que ias a casa das pessoas memorizar a casa inteira para saberes tudo-tudo-tudo o que as pessoas têm lá dentro." A mãe riu-se mais ainda, abanava a cabeça com tal disparate. "Então, e de que serviria o meu trabalho?".
O miúdo encolheu os ombros e disparatou. Depois disse: "Às tantas fazia mais sentido seres decoradora da tabuada!" e a mãe divertia-se. O filho entusiasmou-se, tinha imensos projectos para a mãe, levantou os braços, disse quase num grito: "Podias ser assim uma espécie de psicóloga das casas! Entravas, decoravas o que as pessoas tinham lá dentro e depois debitavas tudo!".
A mãe arrumava os pratos no lava-loiças e repetiu atónita: "Psicóloga das casas?". O filho exclamou pela primeira vez um "evidentemente" e, de súbito, era como se já não tivesse 9 anos. A decoradora perguntou: "E o que faz a psicóloga das casas?". O filho fez uma cara feia, voltava a ter 9 anos. "Ó mãe! O mesmo que as psicólogas da cabeça. Vai lá dentro ver o que existe, para as pessoas saberem quem são!".
A mãe não disse nada.
Depois de lanchar, o filho foi brincar com os vizinhos e a decoradora afundou-se no sofá, afogou-se, fundiu-se. Era urgente olhar para a sua própria casa, contemplá-la, examiná-la, decorá-la. Intitulou-se psicóloga das casas e começou pela sua. Queria arrumar a casa toda para se conhecer um pouco.
Disse: "Antes de mais, sou mãe!" e começou pelo quarto do filho.
Era o início da decoração (no sentido da tabuada).