A Senhora Ausência tinha dúvidas. Sentava-se no seu sofá (que era mais uma cadeira almofadada do que um sofá), cruzava as pernas e tinha dúvidas. Enquanto as tinha, bebia chá de jasmim. Gostava mais do cheiro a jasmim do que do sabor, mas nunca lhe ocorrera comprar incenso de jasmim ou óleo de jasmim ou champô de jasmim ou sabonetes de jasmim. Por isso, bebia chá para sentir o cheiro. A Senhora Ausência tinha muitas dúvidas sobre coisas abstractas e também outras tantas sobre coisas mais concretas. Algumas das suas dúvidas relacionavam-se, por exemplo, com a domesticação dos animais, a selecção artificial conduzida pelo Homem. A Senhora Ausência não tinha animais domésticos, não tinha particular interesse por eles, pensava na domesticação enquanto conceito. Bebia chá de jasmim e reflectia sobre coisas deste género. Era, por natureza, uma mulher interrogativa, desconfiada, céptica, metida consigo própria, ausente dos outros, sem grande tacto para as pessoas nem talento para nada. A sua actividade preferida era, sem sombra de dúvida, ter dúvidas. E enterrar-se nelas, ausentar-se nelas. As dúvidas da Senhora Ausência nem sempre chegavam à superfície, não ganhavam voz nem forma nem contornos nem entoação. E, portanto, não chegavam a ser perguntas, adoptavam antes a forma de nuvens ou de vulcões profundos que flutuavam na cabeça da Senhora Ausência para sempre. Não, para sempre não, porque nada durava para sempre. Este facto - o de nada durar para sempre - também atormentava a Senhora Ausência. Por outro lado, a eternidade de Deus e o conceito matemático de infinito tiravam-lhe o sono, o apetite, a vontade, davam origem a outras perguntas, a outras ansiedades. Bebia chá de jasmim e pensava. Seria o Homem domesticável. Um vulcão. Domesticado. Outro vulcão. A chaleira era demasiado pesada para os ossos fracos, seria melhor investir numa daquelas coisas de plástico. Levantou-se com dificuldade e foi até à porta de entrada (ou de saída). Nessa porta, ao centro, estava espetado um prego. Nesse prego estava pendurado um casaco, um só casaco. De um castanho um pouco perdido. A Senhora Ausência vestiu o casaco e ausentou-se. Enquanto descia a rua teve dúvidas sobre a vida, sobre o sentido dela, sobre a consistência do corpo e da alma. A Senhora Ausência não ia comprar pão nem leite nem uma chaleira de plástico. Também não ia visitar ninguém nem ia a nenhum serviço camarário. Ia só. Rua abaixo. À margem das coisas reais, quotidianas, vitais. Daí as suas dúvidas. A sua angústia. A sua ausência.
Temos pena da Senhora Ausência. Gostávamos de a ajudar, mas não podemos.
Somos demasiado concretos. Quietos. Domesticados.