Ao sexto dia do primeiro mês recém-chegaram três homens para adorar o recém-nascido. Pelos tecidos complicados que traziam no corpo, pareciam abastados, se não mesmo reis. Isto pensava Maria, que nada dizia por ser mulher. José perguntou: "Quem sois?" e, para seu enorme espanto, dois dos três homens ajoelharam-se perante ele. O terceiro, que era corcunda e velho, não se ajoelhou. Na opinião de Maria, a mais submissa de todas as criaturas que adoravam o belo adormecido na manjedoura, o homem mais velho pemanecera de pé, não por ser mal-educado, não por ser arrogante, mas possivelmente por estar cansado da viagem e ter um corpo mais fraco que a alma. Esse homem disse: "Sou rei e mago. Chamo-me Belchior.". Maria e José, até então as pessoas mais simples da humanidade, surpreenderam-se, não tanto por causa dos títulos, mas sobretudo por causa do nome. Belchior era um nome impossível e José concluiu que os três homens deviam vir de muito longe. Piedosos e dedicados (mas não cristãos, que era coisa que na altura ainda não existia, porque o menino ainda não falava), Maria e José ofereceram a casa aos três estrangeiros, partilharam do seu pão e lavaram-lhes os pés. O segundo homem era muito novo, tinha as faces muito rosadas por causa do frio, comia e bebia timidamente. Apresentou-se baixinho: "Chamo-me Gaspar" e Maria achou aquele nome ainda mais bonito do que Jesus. O último, como bem sabemos, chamava-se Baltazar e era preto. José estava deveras perplexo com as suas feições pois nunca tinha visto um preto na vida. Assim era o interesse dos homens pelos homens: genuíno, investido, humano.
Os três homens que, além de reis, eram magos, contaram a sua viagem. Disseram ter seguido uma estrela no céu que os guiara até ali, à manjedoura mais sagrada de todas, apesar de imunda como as outras. Esta viagem tornar-se-ia o maior mistério para Jesus Cristo, mas Maria e José, até então as pessoas mais simples da humanidade, não sabiam disso, por isso não fizeram as perguntas devidas em devida altura. Para insatisfação do menino.
De facto, Jesus Cristo, que tudo sabia do céu e da terra, nunca chegou a compreender aquela viagem. Na sua adolescência ficava, noite após noite, a olhar as estrelas e não sabia como segui-las, dado que nenhuma delas parecia apontar para um caminho. Questionava-se igualmente sobre a viagem dos três homens. Como poderiam seguir uma estrela, se durante o dia não a podiam ver e não tinham mais nada que os guiasse?
Como já atrás se disse, tudo isto se passava na sua adolescência, porque quando Jesus Cristo entrou na fase adulta, dedicou-se a outros interesses e deixou de ter tempo para as estrelas e para a história dos três homens que, além de reis, eram magos.
Foi um desperdício de história, como é óbvio.
Aaaah, mas tivesse Jesus Cristo nascido português, tivesse ele uma pitada que fosse de lusitano, e a história não se desperdiçaria assim. Porque tudo valeria a pena, se a sua alma fosse outra, incluindo olhar o céu. Tivesse Jesus nascido português e observaria as estrelas durante toda a vida. Melancolicamente. Saudosamente. Para sempre.
Teria sido, naturalmente, um ofício tão digno como salvar a humanidade. Mas, nesse caso, Jesus Cristo talvez nunca chegasse a inventar o cristianismo.
De facto, Jesus Cristo, que tudo sabia do céu e da terra, nunca chegou a compreender aquela viagem. Na sua adolescência ficava, noite após noite, a olhar as estrelas e não sabia como segui-las, dado que nenhuma delas parecia apontar para um caminho. Questionava-se igualmente sobre a viagem dos três homens. Como poderiam seguir uma estrela, se durante o dia não a podiam ver e não tinham mais nada que os guiasse?
Como já atrás se disse, tudo isto se passava na sua adolescência, porque quando Jesus Cristo entrou na fase adulta, dedicou-se a outros interesses e deixou de ter tempo para as estrelas e para a história dos três homens que, além de reis, eram magos.
Foi um desperdício de história, como é óbvio.
Aaaah, mas tivesse Jesus Cristo nascido português, tivesse ele uma pitada que fosse de lusitano, e a história não se desperdiçaria assim. Porque tudo valeria a pena, se a sua alma fosse outra, incluindo olhar o céu. Tivesse Jesus nascido português e observaria as estrelas durante toda a vida. Melancolicamente. Saudosamente. Para sempre.
Teria sido, naturalmente, um ofício tão digno como salvar a humanidade. Mas, nesse caso, Jesus Cristo talvez nunca chegasse a inventar o cristianismo.
O Baltazar perguntou: "E então? Que mal viria ao mundo?". Os outros magos esmagaram-se de vergonha. Disseram: "Além de preto, é inconveniente".
E foi assim que começou o racismo. Por causa das crenças. E nunca por causa dos homens, jamais por causa dos homens. Isto pensava Maria, que nada dizia, por ser submissa e não portuguesa. Jamais portuguesa.