Soubéssemos nós a verdade e morreríamos. Isto dizia o filósofo, que nada sabia da verdade nem da morte por ser humano. Chamava-se este homem Vasco Mouro Louro, um péssimo nome para um filósofo, daí que não o fosse verdadeiramente, pois não tinha obra publicada nem teorias sobre o universo nem sobre o homem nem sobre os deuses ou o amor ou o ódio ou a razão. A bem dizer, nem sequer tinha estudado filosofia aquele homem e o seu autor preferido era, nem mais nem menos, Jean-Paul Sartre, o tal existencialista cheio de náuseas a cair em desuso. Mesmo assim, Vasco Mouro Louro levava o seu ofício a sério e sentava-se no banco espadaúdo do Jardim de Torel para pensar sobre as pessoas e a cidade, sobre as pessoas na cidade, sobre o ser humano no interior do ser urbano. Pensava tão profundamente sobre todas estas coisas que a cidade lhe parecia um pouco mais humana às cinco da tarde. E naquele preciso dia, 17 de Abril de 1995, quando o sol desceu para beijar a cidade, os prédios ganharam outro volume por causa das sombras. O filósofo assustou-se. Disse: Soubéssemos nós a verdade e morreríamos. Vasco Mouro Louro deu por concluído aquele dia de trabalho, levantou-se e desceu a calçada do Lavra a pé. Trazia as mãos nos bolsos e um chapéu esquisito na cabeça. O seu assobio, que era agudo e bonito, ecoava pelas paredes, batia nos candeeiros, caía pelas escadas abaixo. Vinha contente o senhor Vasco Mouro Louro, muitíssimo contente com aquela frase de final do dia. Isto apesar de não saber nada da verdade nem da morte. De não ser um filósofo verdadeiro. E de ter um nome ridículo.
Vivia noutro mundo o senhor Vasco Mouro Louro. Ainda bem para ele.
De outra maneira, alguém morreria.
Ou nós. Ou ele.