- Epá, essa foi mesmo boa, ó Vasco! É que foi mesmo boa! Agora até estou com pena de os tomates não terem pés.
- Pois é, mas também podem ir assim a rebolar, também dá.
- Pois dá! Desde que vão pelo seu próprio pé, não é, Vasco?
- É, sim, senhor.
- Sabe que a diferença entre um herói e um comum mortal está mesmo aí, Vasco!
- O quê? Nos tomates?
- Claro, é evidente. Não acha que é evidente?! Os comuns mortais, os tais mariquinhas que não se chateiam com nada, os tais saudosistas do Estado Novo... A tal gente sem vontade para salvar o mundo, esse todos e mais alguns têm um problema de tomates.
- Pois é, chefe, há muita gente aí com falta de tomates. Mas olhe, antes isso que falta de comida ou de saúde. Ao menos é um povo ignorante, mas feliz.
- Feliz?! Feliz?! Qual feliz, qual carapuça! Você acha este povo feliz? Este povo é tudo menos feliz, ó Vasco. Por favor, homem! É que é tudo menos feliz! Agora até está outra vez na moda ouvir fado, bolas! Quer coisa mais triste que fado? Deus me livre, que povo mais viúvo.
- Viúvo, chefe?
- Sim, viúvo. Somos uns viúvos, uns mal-amados, homem, andamos na praia à espera dos marinheiros e das sereias e do Dom Sebastião e do raio-que-o-parta. Somos uns viúvos vestidos de negro, Vasco, uns viúvos. Cheios de ansiedades e sonhos. Mas sem vontade, 'tá a ver? Uns coitadinhos. Especados, a olhar para o mar, presos ao passado, a uma tristeza anterior a tudo, pá, com pena de nós próprios. Com pena de nós próprios, Vasco, que povo mais ridículo.
- Você tem pena de si próprio, chefe?
- Eu, Vasco?! Eu?! Acha?! Claro que não, homem. Estava a falar dos outros, dos outros, dos pobrezinhos. Eu e o Vasco, não, não somos dessa raça, somos d'alta categoria, andamos aqui cheios de vontade para salvar o mundo, uns meios-heróis todos armados, hein? Com quilo e meio de tomates.
- Há bocado era só um quilo, chefe!
- Não faz mal, agora é um e meio! Um e meio! Amanhã são dois, se sairmos bem daqui, está bem?
- Está certo!
- E portanto, estava eu a dizer-lhe que esses viúvos que praí andam têm um problema justamente de tomates. De tomates! Esses tipos só estão preocupados com os tomates, com os seus instintos e as suas necessidades pequeninas, percebe? Não vêem mais nada, não querem mais nada. E, no entanto, por serem humanos, falta-lhes qualquer coisa, um além-mar qualquer, percebe? Falta-lhes horizonte. Mas eles não sabem o que é que lhes faz falta, nunca saberão. Pensam pequenino, com os tomates.
- E o chefe sabe?
- Claro que sei. Claro que sei! E o Vasco também sabe. A diferença entre nós e eles é essa, Vasco. É nós sabermos.
- Pois é, mas também podem ir assim a rebolar, também dá.
- Pois dá! Desde que vão pelo seu próprio pé, não é, Vasco?
- É, sim, senhor.
- Sabe que a diferença entre um herói e um comum mortal está mesmo aí, Vasco!
- O quê? Nos tomates?
- Claro, é evidente. Não acha que é evidente?! Os comuns mortais, os tais mariquinhas que não se chateiam com nada, os tais saudosistas do Estado Novo... A tal gente sem vontade para salvar o mundo, esse todos e mais alguns têm um problema de tomates.
- Pois é, chefe, há muita gente aí com falta de tomates. Mas olhe, antes isso que falta de comida ou de saúde. Ao menos é um povo ignorante, mas feliz.
- Feliz?! Feliz?! Qual feliz, qual carapuça! Você acha este povo feliz? Este povo é tudo menos feliz, ó Vasco. Por favor, homem! É que é tudo menos feliz! Agora até está outra vez na moda ouvir fado, bolas! Quer coisa mais triste que fado? Deus me livre, que povo mais viúvo.
- Viúvo, chefe?
- Sim, viúvo. Somos uns viúvos, uns mal-amados, homem, andamos na praia à espera dos marinheiros e das sereias e do Dom Sebastião e do raio-que-o-parta. Somos uns viúvos vestidos de negro, Vasco, uns viúvos. Cheios de ansiedades e sonhos. Mas sem vontade, 'tá a ver? Uns coitadinhos. Especados, a olhar para o mar, presos ao passado, a uma tristeza anterior a tudo, pá, com pena de nós próprios. Com pena de nós próprios, Vasco, que povo mais ridículo.
- Você tem pena de si próprio, chefe?
- Eu, Vasco?! Eu?! Acha?! Claro que não, homem. Estava a falar dos outros, dos outros, dos pobrezinhos. Eu e o Vasco, não, não somos dessa raça, somos d'alta categoria, andamos aqui cheios de vontade para salvar o mundo, uns meios-heróis todos armados, hein? Com quilo e meio de tomates.
- Há bocado era só um quilo, chefe!
- Não faz mal, agora é um e meio! Um e meio! Amanhã são dois, se sairmos bem daqui, está bem?
- Está certo!
- E portanto, estava eu a dizer-lhe que esses viúvos que praí andam têm um problema justamente de tomates. De tomates! Esses tipos só estão preocupados com os tomates, com os seus instintos e as suas necessidades pequeninas, percebe? Não vêem mais nada, não querem mais nada. E, no entanto, por serem humanos, falta-lhes qualquer coisa, um além-mar qualquer, percebe? Falta-lhes horizonte. Mas eles não sabem o que é que lhes faz falta, nunca saberão. Pensam pequenino, com os tomates.
- E o chefe sabe?
- Claro que sei. Claro que sei! E o Vasco também sabe. A diferença entre nós e eles é essa, Vasco. É nós sabermos.
- Eu não sei.
- Sabe, sabe. Sabe, sim. A diferença entre nós e eles é que os nossos tomates vão precisamente pelo seu próprio pé!
- Não me diga?! Verdade?
- Digo, digo. Nós, Vasco, temos tomates com vontade própria, entende? Soubemos educá-los. E ficámos livres da pequeninice, das coisas básicas da vida. Nós vamos mais longe, sempre mais longe. Daí a vontade. Aquela tal vontade. De mudar o mundo.
- De salvar o mundo, chefe.
- Isso, isso, de salvar o mundo. Repare no seguinte: os seus colegas que trabalham consigo nunca entraram aqui para me chamarem de estúpido. Nunca!
- Pois não, se calhar são um bocado mais espertos.
- Se calhar, são. Se calhar, são. Mas repare também no seguinte: eles lá no seu cantinho também me acham estúpido. Também me acham estúpido e têm todos vontade de mo dizer assim na cara, de chegar aqui e pontapear-me como nos filmes americanos. E no entanto, não o fazem. Porque será, Vasco?
- Porque não têm tomates, chefe!
- Não, Vasco, isso não é verdade. São homens e mulheres com muitos tomates. Os portugueses têm muitos tomates, é uma terra de tomates, homem!
- Ó chefe, as mulheres não têm tomates.
- Ó Vasco, você está parvo? Claro que têm! Porra, essas então ninguém as pára. Deus me livre! Mas ter tomates não é tudo, Vasco, não é tudo. Na verdade, os que têm muitos tomates costumam dar-se mal. Exactamente porque estão muito preocupados com eles, só pensam neles, só querem satisfazer as necessidades deles.
- E nós, com quilo e meio de tomates, não?!
- Não, Vasco. Porque os nossos tomates andam pelo seu próprio pé, já lhe expliquei isto. Daí o Vasco estar aqui hoje. Você não está preocupado com as suas necessidades básicas, você quer salvar o mundo. E eu também!
- Meio-herói mais meio-herói dá um herói completo.
- Exactamente, Vasco. Você e eu, temos o mundo aqui.
- Não me diga?! Verdade?
- Digo, digo. Nós, Vasco, temos tomates com vontade própria, entende? Soubemos educá-los. E ficámos livres da pequeninice, das coisas básicas da vida. Nós vamos mais longe, sempre mais longe. Daí a vontade. Aquela tal vontade. De mudar o mundo.
- De salvar o mundo, chefe.
- Isso, isso, de salvar o mundo. Repare no seguinte: os seus colegas que trabalham consigo nunca entraram aqui para me chamarem de estúpido. Nunca!
- Pois não, se calhar são um bocado mais espertos.
- Se calhar, são. Se calhar, são. Mas repare também no seguinte: eles lá no seu cantinho também me acham estúpido. Também me acham estúpido e têm todos vontade de mo dizer assim na cara, de chegar aqui e pontapear-me como nos filmes americanos. E no entanto, não o fazem. Porque será, Vasco?
- Porque não têm tomates, chefe!
- Não, Vasco, isso não é verdade. São homens e mulheres com muitos tomates. Os portugueses têm muitos tomates, é uma terra de tomates, homem!
- Ó chefe, as mulheres não têm tomates.
- Ó Vasco, você está parvo? Claro que têm! Porra, essas então ninguém as pára. Deus me livre! Mas ter tomates não é tudo, Vasco, não é tudo. Na verdade, os que têm muitos tomates costumam dar-se mal. Exactamente porque estão muito preocupados com eles, só pensam neles, só querem satisfazer as necessidades deles.
- E nós, com quilo e meio de tomates, não?!
- Não, Vasco. Porque os nossos tomates andam pelo seu próprio pé, já lhe expliquei isto. Daí o Vasco estar aqui hoje. Você não está preocupado com as suas necessidades básicas, você quer salvar o mundo. E eu também!
- Meio-herói mais meio-herói dá um herói completo.
- Exactamente, Vasco. Você e eu, temos o mundo aqui.
- Pois é.
- Pois é. Vou então escrever mais uma notinha no meu bloquinho... Cá está ela: Os tomates andam pelo seu próprio pé.
- Epá, ó chefe, estou entusiasmado. Também quero escrever umas notinhas, se pudesse ser.
- Com certeza, Vasco. Vou então dar-lhe aqui uma folha de papel. Isto hoje vai ser só aprender, Vasco.
- Tem piada, ó chefe. Não estava a contar com nada disto. Nunca pensei que fosse aprender alguma coisa hoje.
- Pois é, Vasco. A vida pode ser muito imprevisível.
- É verdade. Mas realmente não estava nada a contar com esta.
- Há sempre coisas para aprender com os outros.
- Epá, ó chefe, estou entusiasmado. Também quero escrever umas notinhas, se pudesse ser.
- Com certeza, Vasco. Vou então dar-lhe aqui uma folha de papel. Isto hoje vai ser só aprender, Vasco.
- Tem piada, ó chefe. Não estava a contar com nada disto. Nunca pensei que fosse aprender alguma coisa hoje.
- Pois é, Vasco. A vida pode ser muito imprevisível.
- É verdade. Mas realmente não estava nada a contar com esta.
- Há sempre coisas para aprender com os outros.
- Sim, mas com pessoas estúpidas é mais raro.