Para o tio Pedro.
Nós, que ignoramos o mundo e tudo o que nele existe, não conhecemos Luanda nem Tundavala nem Benguela nem o deserto do Namibe, mas vimos um pouco disto através dos olhos do homem que rimava, que ria a rimar, que raiava. Eram olhos soalheiros aqueles, de final de tarde, ampliados por óculos redondos, avolumados.
Este homem tinha, também ele, um certo ar de paisagem, por a sua presença ser espaço, viagem, deserto. Os cabelos ondulavam ao vento, espelhavam vários sóis: iguais ao mar.
Penso muitas vezes no seu quarto musical, no seu Porto de chegada. Nas suas memórias de África, com a qual todos nós sonhamos como outros sonharam com a Terra do Nunca: um lugar impossível cheio de histórias paralelas, diferentes das nossas.
Do Porto se fez ao asfalto. Aquele homem. Sempre rimando. Remando. E nós a vê-lo viajante, debruçado sobre os mapas. Das estradas, dos tesouros.
Sonhamos sobretudo com a sua rolote. Aventureira, poeirenta, a rolar pela Europa. Não conhecemos essa rolote e temos pena.
Quem nos dera ter viajado nela.
Um homem chamado Pessoa e que o era até ao final de si mesmo. Não o conhecemos como devíamos, como podíamos, como queríamos. Mas sabemo-lo assim: um homem profundo como o horizonte.
A rimar com o mundo.