Certo dia, a rapariga disse que queria ser peixe.
Sim, peixe, com guelras e umas barbatanas dos lados, milhares de escamas a escarpar-lhe o corpo. Um peixe.
Andava farta dos homens, das mulheres, das criancinhas, do seu corpo quadrado em cima das pernas.
Poetizava para dentro:
Não seria mau de todo respirar pela boca. Respirar realmente pela boca. Fazê-lo por natureza e não por escolha.
Sim, peixe, com guelras e umas barbatanas dos lados, milhares de escamas a escarpar-lhe o corpo. Um peixe.
Andava farta dos homens, das mulheres, das criancinhas, do seu corpo quadrado em cima das pernas.
Poetizava para dentro:
Não seria mau de todo respirar pela boca. Respirar realmente pela boca. Fazê-lo por natureza e não por escolha.
(A rapariga abria e fechava a boca insistentemente, os olhos muito abertos, perdidos na água.)
Havia na casa da avó um aquário enorme, redondíssimo, e a rapariga dizia que aquela era a sua casa: um loft transparente, cheio de luz e de água, feito de vidro. Uma casa original.
Dias mais tarde, desiludiu-se: o facto de o aquário não ter saída chateava-a profundamente e a rapariga acabou por desistir daquela casa. Decidiu então viver num rio.
(A ideia de nadar até ao fim da água e da vida entusiasmava-a.)
Lembrou-se depois dos afluentes e, nessa noite, sonhou que desembocava num rio que desembocava noutro e depois noutro e caía eternamente pela água dentro. Quando acordou, desaguou definitivamente no mar e não quis sair dali.
Disse: "Serei um peixe de água salgada" e pensou no mar por dentro, na sua boca de peixe a respirá-lo, a bebê-lo, a ouvi-lo, a cheirá-lo, a senti-lo.
Seria um peixe-balão (gostava do nome) e flutuaria lentamente nas águas. Depois fechou os olhos para boiar perdidamente, redondamente, infinitamente, sem peso nem alma. As barbatanas muito abertas, a boca dentro de água.
E no entanto, nesse preciso instante, sobressaltou-se. Disse: "um peixe a boiar é um peixe morto". A rapariga endireitou-se na cadeira, chorou de susto. Ficou em silêncio alguns minutos, uma espécie de choque transformava-lhe o rosto.
Havia na casa da avó um aquário enorme, redondíssimo, e a rapariga dizia que aquela era a sua casa: um loft transparente, cheio de luz e de água, feito de vidro. Uma casa original.
Dias mais tarde, desiludiu-se: o facto de o aquário não ter saída chateava-a profundamente e a rapariga acabou por desistir daquela casa. Decidiu então viver num rio.
(A ideia de nadar até ao fim da água e da vida entusiasmava-a.)
Lembrou-se depois dos afluentes e, nessa noite, sonhou que desembocava num rio que desembocava noutro e depois noutro e caía eternamente pela água dentro. Quando acordou, desaguou definitivamente no mar e não quis sair dali.
Disse: "Serei um peixe de água salgada" e pensou no mar por dentro, na sua boca de peixe a respirá-lo, a bebê-lo, a ouvi-lo, a cheirá-lo, a senti-lo.
Seria um peixe-balão (gostava do nome) e flutuaria lentamente nas águas. Depois fechou os olhos para boiar perdidamente, redondamente, infinitamente, sem peso nem alma. As barbatanas muito abertas, a boca dentro de água.
E no entanto, nesse preciso instante, sobressaltou-se. Disse: "um peixe a boiar é um peixe morto". A rapariga endireitou-se na cadeira, chorou de susto. Ficou em silêncio alguns minutos, uma espécie de choque transformava-lhe o rosto.
Perguntou-se: Para quê viver no mar, se não podia deitar-se nele, de rosto contra o sol e o sal?
Era uma rapariga interessante. Definida. Definitiva. De carne e osso.
(Jamais abdicaria do seu direito a boiar.)