Para uma neta que perdeu o avô.
Morreram em épocas diferentes. Um está morto há muito tempo. Outro acaba de chegar. Encontram-se a meio caminho. O mais experiente na morte quer lembrar-se da vida, mas não consegue. Por isso, pergunta:
- Agora que morreu de vez, responda-me ao seguinte: "A vida é mesmo curta?"
- Não, não é curta.
- Não?!
- Não, é longa.
- Longa?
- Muitíssimo longa.
- Quão longa?
- Longa de perder de vista.
- Assim como o mar?
- Não. Como a terra, talvez.
- A vida é como a terra?
- Sim. É que o mar, ao longe, é sempre igual. A terra não. Tem altos e baixos, vegetação e casas, pessoas, pastagens, comboios, aviões, centrais eléctricas, barragens, é uma grande confusão.
- A vida é uma confusão?
- É.
- A morte não.
- Não?!
- Não. É só assim.
- Ainda bem.
- Ainda bem?!
- Sim.
- Às vezes sinto-me farto de estar morto. Canso-me. Até fico doente. Mas depois passa.
- Pois, é capaz. No mar também é assim. Nem sempre as ondas são mansas e uma pessoa adoece. Mas depois passa.
- Nesse caso, se calhar eles têm razão quando dizem que a morte é uma passagem. Talvez tenhamos passado da terra para o mar.
- Sim, é uma boa imagem.
- Gosto de mar.
- Eu também!
- Então bem-vindo a bordo.
- Obrigado! Sempre quis ser marinheiro.