O cão achava que, de todas as coisas que existiam, a chuva era, de longe, a mais esquisita. E portanto, cada vez que ela vinha, ele ladrava. Imenso. E se ela se demorava, gania.
De tal forma sofria o cão em dias de chuva que o dono tinha de esperar que ela parasse para poder sair com o domesticado à rua. De outra maneira não o conseguia levar: bem que podia puxar pela trela ou empurrá-lo, que o cão não ia.
Certa vez o cão mordera até a mão da empregada de limpeza por causa da sua insistência. Tanto sangue jorrara do seu braço que a senhora nunca mais voltou. Um episódio triste por causa de um capricho de cão, também ele deveras esquisito.
Por uma só vez o dono tinha conseguido a proeza fantástica de, em pleno dia de temporal, levar o cão até à entrada do prédio. Desciam calmamente as escadas, dono e cão lado a lado, uma verdadeira conquista. Mas infelizmente, assim que a porta da rua se abrira, o cão agarrou-se à ombreira com os dentes, espumando de raiva e terror. E a partir desse momento, o dono nunca mais tentou levar o cão à rua quando a chuva chovia.
Não que o cão não gostasse de água. Nada disso. Não só gostava, como adorava. Chapinhava no mar deliciado, ficava eufórico quando lhe davam banho. Abanava-se contente na banheira, bebia a água do próprio corpo. Mas realmente algo o impedia de se aproximar da chuva.
E o que o impedia era isto: o cão não percebia a chuva, a razão da sua existência. A verdade era só essa: não percebia o porquê do seu movimento repetido nem as formas do seu corpo. Ela era, no seu entender, uma coisa maior do que as outras, sem peso nem cor. O cão confundia muitas vezes o seu cheiro por ele ser tão variado, colorido, profundo e isso assustava-o, causava-lhe dores no corpo e na alma.
E nos dias em que ela caía, o cão ladrava à chuva para que ela existisse. Como os outros. Concretamente, em carne e osso.
Mas ela não existia.
Claro que o cão, no fundo do seu cérebro, não tinha medo dela. Ficava aliás a vê-la da janela quando ela não respondia ao seu ladrar. E como bem sabemos, ninguém fica a contemplar quem teme. O cão é que não sabia.
Claro que o cão, no fundo do seu cérebro, não tinha medo dela. Ficava aliás a vê-la da janela quando ela não respondia ao seu ladrar. E como bem sabemos, ninguém fica a contemplar quem teme. O cão é que não sabia.
Resumindo, o cão tinha um terror imenso daquele amor. E nem sequer sabia que amava.
Um sentimento esquisito.