Encontrei o meu primeiro cabelo branco. Estava em frente ao espelho e vi-o. Era mais grosso que os outros, mais encaracolado. Depois afastei-o e vi outro cabelo branco e depois outro.
Eu e o meu rosto em frente ao espelho, a minha juventude por um fio.
Nesse instante, no quarto ao lado, um piano a murmurar. Era um daqueles prelúdios do Claude Debussy, coisa mais bonita para os ouvidos. Escutei melhor.
La fille aux cheveux de lin. A menina dos cabelos de linho.
Uma melodia frágil e sedutora como a inocência, o piano em pleno voo.
A minha mãe conta muitas vezes que os seus primeiros cabelos brancos nasceram logo a seguir a mim. E que depois foi tudo muito rápido. A minha mãe diz: “foi galopante”. Sempre que fala dos cabelos brancos, a minha mãe diz: “foi galopante”. Não usa este termo para mais nada, acho.
Fico aqui a ouvir os prelúdios do Debussy e a imaginar a minha velhice a galope, os meus cabelos ao vento, como uma crina, a minha vida sem rédeas nem freios, a toda a velocidade. Logo eu, que não gostei nada das aulas de equitação, andava para ali às voltinhas em cima de um cavalo triste e o instrutor nem sequer era simpático. Caí do cavalo logo nas primeiras lições e nunca mais me aventurei em montarias equestres. Tinha seis anos e um cabelo impecavelmente liso e negro, que depois ficou castanho e ondulado, e um dia destes, pelos vistos, há de ser cinzento e esquisito como o céu de Bruxelas.
Resultado: não sei montar um cavalo. É pena. Bem que eu gostava de sair agora em cima de um cavalo negro. Haveríamos de cavalgar pelas ruas ao som deste piano, sem sela nem estribos. O meu cabelo completamente branco, o meu cavalo completamente negro, os dois numa cavalgadura sempre em frente. Haveríamos de acenar à menina dos cabelos de linho. Haveríamos de continuar rua fora, com toda a fúria.
Olho para o espelho, para os meus primeiros cabelos brancos.
Imagino o que aí vem. As rugas nos olhos, as manchas no rosto. A vida inteira a passar por mim. Feroz. Brava. Solta. Galopante.