Quando gosta de um livro, agarra nele de qualquer maneira e abana-o. Depois grita-lhe aos ouvidos e bate-lhe. Dá-lhe umas belas chapadas na capa e no traseiro. Só então abre o livro em qualquer página e fecha-o logo a seguir. Repete o movimento vezes sem conta. Abre e fecha. Abre e fecha. Abre e fecha. Por vezes detém-se numa passagem e amachuca a folha, dobra-a, rasga-a. Brinca com o pedaço de papel, mete-o na boca. Depois atira o livro para o lado e agarra-o outra vez. Roda-o de um lado para o outro com as duas mãos e, quando o apanha a jeito, morde-lhe a lombada com grande convicção. Pimba, bem feito. Às vezes aleija-se, coitado. Alguns livros são duros de roer.
A leitura, para o meu filho, é uma experiência física e não uma experiência intelectual.
À noite, quando me deito com o meu Kindle, sinto-me uma leitora menor. Os livros eletrónicos não são livros a sério. Não têm cheiro. Não têm sabor. Estou para ali largada a ler os diálogos epifânicos da Rachel Cusk e só me apetece metê-los na boca. Aaah, penso, quem dera morder as lombadas da Rachel Cusk.
Falta-me a experiência física da leitura. Não sinto o tato dos livros. Em contrapartida, posso consultar o dicionário num clique e procurar passagens específicas. Ainda assim, a minha boca sofre. Chora por mais.
Ontem à noite lambi o Kindle, mas não gostei da experiência. O Kindle é o fast food dos livros. Sabe a plástico.
Por causa do meu filho, ando aqui cheia de ganas de devorar livros. Não consigo ignorar este desejo.
Hoje à noite vou atacar as estantes de cima.