segunda-feira, 16 de fevereiro de 2015

Descascar batatas

Há um consolo subtil na atividade doméstica de descascar batatas.
A rotação da esfera imperfeita.
Um pedaço de terra nas mãos.
A pele rugosa e antiga.
Que pele?
A pele da batata. A pele das mãos.
A sensação ingénua de que, afinal, sempre dominamos algo.
Por exemplo, uma faca.
Por exemplo, o destino de um tubérculo.
Qualquer coisa cortada pela raiz.
Descasco uma batata e lembro-me.
De quê?
Não sei.
Uma recordação muito mais velha do que eu.
A minha mãe com uma batata na mão. A minha avó, a minha bisavó, a trisavó.
O gesto repetido desde o século XVI.
Uma esfera imperfeita de mulheres a descascarem esferas imperfeitas.
Eu igual a um tubérculo, cortada pela raiz.
A memória comum.
A lógica da batata.
O sentimento de pertença.
Qualquer coisa anterior a nós.
Impercetível.
Subterrânea.
Imperfeita.