sexta-feira, 13 de fevereiro de 2015

Daniel Ricardo

O que eu quero dizer é que o Daniel Ricardo morreu.
Estou em choque.
Sempre que apanho uma Visão, consulto a Ficha Técnica para verificar que o Daniel Ricardo continua a ser o editor executivo e que nada muda.
O que eu quero dizer é que perdemos um bom professor.
Aprendi com o Daniel Ricardo a escrever assim. Lá para o início do século, no Cenjor, Centro Protocolar de Formação Profissional para Jornalistas.
O Daniel Ricardo dizia: "Quando tiverem dúvidas sobre como escrever uma notícia, comecem assim: O que eu quero dizer é que, e a seguir, quando acabarem a primeira frase, tirem isso. Não faz falta nenhuma".
Eu faço este exercício semanalmente e depois tiro a expressão O que eu quero dizer é que.
Vou fazer igual com este texto. Resultado:
O Daniel Ricardo morreu. Perdemos um bom professor.
Acho que o Daniel Ricardo teria preferido a palavra morrer a falecer, mas não tenho a certeza.
O Daniel Ricardo falava e escrevia com precisão. Sem floreados. Sem bengalas. Sem incoerências.
Dizer não é o mesmo que afirmar nem declarar nem anunciar. Isto declarava o Daniel Ricardo debaixo de um casaco que não estava propriamente vestido, estava pousado nas costas, prestes a deslizar para o chão. O casaco do Daniel Ricardo raramente deslizava para o chão. Havia na sua postura um equilíbrio bastante exato.
Concordar não é o mesmo que anuir ou assentir. Subscrever não significa aprovar. Solicitar não significa pedir nem exigir nem rogar. Cuidadinho com os verbos.
Os sinónimos não são sinónimos. Os antónimos não são antónimos.
Tínhamos conversas animadas nos intervalos das aulas. Animadas no sentido de animadas. E não no sentido de entusiasmadas ou enérgicas ou esperançadas.
Também é preciso ter cuidado com os adjetivos.
Era um bom professor. O que não significa que fosse bondoso ou benévolo.
Talvez nunca lhe tenha dito (e não anunciado) isto. Que ele era bom professor e que eu gostava das aulas dele. É que gostava mesmo.
Há pouco tempo, comprei um manual do Daniel Ricardo, Ainda bem que me pergunta. Nunca pensei que não iria ter a oportunidade de lhe pedir (e não solicitar) um autógrafo.
O que eu quero dizer é que tenho pena de não ter aprendido mais com ele.