As pessoas da era da técnica ficam um bocado surpreendidas com esta minha ineficiência, até porque eu tenho um certo ar de pessoa eficiente, uma vez que uso óculos de massa. As pessoas da era da técnica falam-me então dos benefícios do computador, blá-blá-blá edição de texto, mas eu já conheço os benefícios do computador. Além de óculos de massa, tenho várias máquinas à minha volta para tudo e mais alguma coisa. Tenho um computador portátil e um computador não portátil em casa e outro não portátil no gabinete, tenho televisão digital, um iPod pequenino, um iPod touch e um smartphone. Além disso, tenho também um homem-máquina em casa que, além de ilimitado, é informático, por isso penso que conheço relativamente bem os benefícios da era da técnica. Mas os meus interlocutores insistem, pegam-me pelo braço, explicam-me que escrever à mão é perder tempo.
Não gosto muito que me peguem pelo braço, mas isto é só mesmo um aparte. Não sabendo o que dizer, ajeito os óculos de massa e invento desculpas. Digo que sou mais livre a escrever à mão, que posso ir sempre em frente e depois riscar o que me apetece. As pessoas da era da técnica sorriem condescendentes. Dizem-me que o computador é muito melhor, que o computador me dá muito mais liberdade, e têm razão, porque os processadores de texto apagam, não riscam. E apagar é muito melhor do que riscar, claro, claro, claro. Eu concordo: um processador de texto é muito melhor do que papel e caneta, podemos procurar texto perdido e organizar documentos em pastas, mas continuo a preferir escrever à mão. “Pronto, gosto mais assim”. As pessoas da era da técnica, finalmente, desistem.
E a verdade é mesmo essa, gosto mais assim. Gosto mais de desenhar as letrinhas todas, de descurar a técnica. E não há nada de romântico nisto. Escrever à mão é, na realidade, um bocado violento. Às vezes ficam-me a doer os cascos e as articulações. Também fico com dores de cabeça e no cachaço. Escrever à mão é como uma prova de resistência, é preciso ignorar a dor.
No final, uns manuscritos até saem bonitos, outros são absolutamente horríveis, mas isso não importa. Só a natureza interessa quando se escreve à mão e, quando digo natureza, quero dizer conteúdo. Só o conteúdo é importante e às vezes nem isso, porque perco o fio à meada e deixo de conseguir perceber o que escrevi.
E sim, não perceber o que se escreveu pode ser chato. Mas o mistério também faz parte da coisa e o que está escrito já pertence ao passado, não é para ser relido nem revivido, já saiu, já existe. Quando se escreve à mão, há que seguir em frente. E eu sigo em frente, a toda a velocidade.
Este exercício implica um certo desrespeito pela técnica e pela ordem. Sou bastante mais rude quando escrevo à mão, gosto de escrever e de riscar o que escrevi, gosto de cair pelas margens. Sou um autêntico bisonte da escrita à mão, na verdade.
Gosto desta imagem do bisonte a escrever à mão. Depois explico.