- E se não souberem?
- Se não souberem, podem perder-se.
- Perder-se?
- Claro! Se as pessoas não souberem de onde vêm nem para onde vão, perdem-se.
- Mas as pessoas não se perdem.
- Como não?
- Não se perdem, pronto.
- O Hansel e a Gretel perderam-se.
- Pois foi... Então e depois?
- As pessoas não podem andar perdidas.
- E que vais tu fazer quanto a isso?
- Vou ser bibliotecária.
- ...
- Bibliotecária de passados!
- E o que faz uma bibliotecária de passados?
- Biblioteca os passados das pessoas.
- Biblioteca?
- Sim, biblioteca.
- E como vais bibliotecar os passados das pessoas?
- Da mesma maneira que outros biblitecários bibliotecam outras coisas.
- Eu não sei como é que os bibliotecários bibliotecam.
- Não sabes?
- Não.
- Ora bem: primeiro vou escrever o nome da pessoa na lombada e depois arquivo o seu passado no meio dos outros. Vou ordená-los todos por ordem alfabética.
- E depois?
- Depois ponho tudo em estantes. Assim é mais fácil para consultar.
- Dá-me um exemplo.
- Um exemplo?
- Sim, um exemplo. Imaginemos que eu ando perdida. Que hei-de fazer?
- Ir à minha biblioteca.
- Ok. Então eu digo: "Olá, boa tarde! Ando perdida!".
- E eu pergunto: "Como se chama?"
- "Maria do Carmo Guerreiro".
- "Muito bem!". E vou à estante da letra "G" procurar o teu nome. Quando encontrar, pego no teu passado.
- E depois?
- Depois eu digo: "Aqui está o seu passado".
- "Muito obrigada!"
- "De nada! Leia bem o seu passado. Se tiver dúvidas, pergunte."
- O passado é um livro?
- Claro! Um passado é muito longo.
- Certo. E quem é que vai escrever esses enormes livros do passado?
- Eu.
- Vais escrever o passado de todas as pessoas?
- Sim.
- Então não vais ser bibliotecária.
- Não?
- Não. Vais escrever mais do que bibliotecar.
- Tens razão! Então que nome tem esta profissão?
- Escritora, provavelmente!
- Não, escritora não!
- Porquê?
- Porque eu escrevo passados. Não escrevo histórias.
- Para mim, és escritora na mesma!
- Não sou, não.
- Então és o quê?
- Não sei... Quanto muito, copista.
(continua)