- Não te preocupes, filha. Nós vamos sempre com ela.
- Mas agora estamos paradas.
- Pois, mas a vida não caminha mesmo.
- Não?!
- Não. Caminha no sentido figurativo.
- Figurativo?
- Sim.
- E nós também?
- Também! Mas o que interessa saber é que a vida caminha sempre para o futuro. E nós vamos sempre atrás dela.
- Está bem.
- Logo, tens de arranjar uma profissão para o futuro.
- Está bem.
- E não para o passado.
- Ok. Já arranjei.
- Já?
- Já.
- Então qual é?
- Bibliotecária.
- Mas isso é outra profissão do passado.
- Não é, não. Esta é do futuro.
- Do futuro?
- Sim, do futuro. Vou ser uma bibliotecária do passado.
- Então, se é do passado, como é que é uma profissão do futuro?
- É do futuro exactamente por ser do passado.
- Pronto. Mas tens de te explicar melhor.
- Se a vida caminha para o futuro e nós vamos sempre com ela, o passado fica para trás.
- Exactamente.
- O futuro vem à frente e o passado atrás.
- Certíssimo.
- Logo, as pessoas, se estiverem sempre a olhar para a frente, não sabem o que ficou para trás.
- Sabem mais ou menos, porque já lá passaram.
- Mas não sabem exactamente.
- Não faz mal, não é preciso saber tudo ao pormenor.
- Não?!
- Não.
- E se depois quiserem saber, como fazem?
- Não fazem.
- Isso não faz sentido.
- Porquê?
- Porque é preciso saber.
- Saber o quê?
- As pessoas precisam de saber de onde vieram.
- Para quê, filha?
- Para saberem o resto.
- O resto?
- Sim, o resto. O caminho. A vida.
- A vida?
- Sim, a vida.
- A vida em que sentido, filha?
- No sentido figurativo.
- ...
- No sentido sempre em frente.
- As pessoas precisam de saber o sentido?
- Precisam de saber para onde vão.
(continua)