quarta-feira, 8 de junho de 2022

Mulher Cão


Não há muito tempo ouvi um podcast com a Paula Rego. Era uma conversa já antiga, conduzida pela Inês Meneses para o Fala com Ela, em setembro de 2010. 

Depois de falar do medo, da infância, da morte, dos contos populares portugueses, dos seus professores e da sua ida para Londres, Paula Rego falava do marido, Victor Willing, que - vejo agora - falecera 22 anos antes, em 1988. Contava ela que os quadros de Willing, por terem tanta presença, a lembravam da sua vida com ele e que isso a emocionava, porque essa vida - “a nossa vida”, dizia ela - continuava viva nesses quadros. Acrescentava: “Viva, viva, viva, como uma lagosta”. E explicava de seguida a necessidade de atar as lagostas antes de as enfiar na panela, “senão elas saltam para fora”. Concluía: “Assim são os quadros dele. Estão ali como se estivessem amarrados” e “por um triz” não pulam para fora. 


Ao longo deste ano, por várias razões que não interessam agora, tenho voltado a essa ideia do pulo iminente e desesperado, a essa possibilidade de a vida pular para fora da arte, de a arte pular para dentro do real, de o sonho pular para fora do espelho. A ideia bela e aterradora de tudo estar a um quase-nada de ser outra coisa.


Hei de voltar à sua Casa das Histórias, para ver outra vez esta Mulher Cão, na esperança de que ela ladre e continue louca, feroz, combativa. E viva, viva, viva, como uma lagosta.