sábado, 28 de maio de 2016

Tu t'imagines

Vejo duas raparigas ao longe. Vêm a cochichar divertidas. Com a boca e com as mãos.
Estão vestidas de preto da cabeça aos pés. Vestidos largos e uns lenços muito bem apertados à volta da cabeça. Os rostos bonitos, perfeitamente emoldurados. Nem um cabelo à vista.
Tenho um certo fascínio por estes lenços. Pela arte de os atar à volta da cabeça. As dobras muito bem dobradas. Dois alfinetes nas têmporas.
Estou cada vez mais perto das raparigas. Elas caminham de lá para cá e eu de cá para lá. Os olhos grandes e vivos. Um pedaço de frase: Tu t'imagines. Risinhos.
Param no meio da rua e tiram uma selfie.
As duas raparigas paradas no tempo e no espaço. Abraçadas uma à outra, as cabeças muito próximas. O telemóvel em cima e elas em baixo. Apertam os lábios carnudos, a simular um beijo uma na outra.
Passo por elas. Olhos grandes e vivos.
Só então reparo que trazem os lábios pintados. Um vermelho inflamado. Radiante. 
Tu t'imagines? 
Eu cá imagino. 
Há qualquer coisa arrebatadora no contraste.
Por um lado, a sobriedade. Por outro, a irreverência.
Por um lado, a pureza. Por outro, a luxúria.
Por um lado, o recato. Por outro, a sensualidade.
O cumprimento e a transgressão.
O preto e o vermelho.
A submissão e a independência.
Não haja dúvida: uma rapariga de lenço aprumado na cabeça está muito mais sujeita à fantasia. 
Ao devaneio.
À depravação.