Eu disse: Alô. Ele disse: Aloe.
Era um cato Aloe Vera.
Gosto de plantas babosas com propriedades mágicas de regeneração, por isso trouxe-o para casa. O cato Aloe Vera, bonito e eriçado, num vaso verde.
Nesse mesmo dia acabei de ler Esse cabelo da Djaimilia Pereira de Almeida, um livro, também ele, bonito e eriçado. Baboso e regenerador. Para ler devagar.
E passar a pente fino.
E passar a pente fino.
A seguir lavei o cabelo. Disse-lhe: Senta-te. E ele sentou-se. Escovei-o, sequei-o, alisei-o. O meu cabelo muito bem comportado, quase liso.
Fiquei a pensar na Djaimilia e na protagonista da Djaimilia. No seu cabelo crespo, indomável.
Esse cabelo fala-nos de cabeleireiros, claro. De cabelo curto e comprido, com tranças ou então ganchos ou então lenços. Também nos fala de fotografias, de disfarces de Carnaval, de uma avó negra e de uma avó branca, de uma Angola ao longe, de um Portugal ao perto. E também nos sussurra uma infância, uma adolescência, a Tieta do Agreste, o vento nas ruas de Oeiras.
Na raiz do cabelo está a cabeça, a existência. E eu gostei de passear por aquele cabelo escuro e selvagem, dono do seu próprio destino.
Na raiz do cabelo está a cabeça, a existência. E eu gostei de passear por aquele cabelo escuro e selvagem, dono do seu próprio destino.
Logo a abrir o livro:
A verdade é que a história do meu cabelo crespo cruza a história de pelo menos dois países e, panoramicamente, a história indirecta da relação entre vários continentes: uma geopolítica.
No final do dia tirei uma fotografia ao livro e ao cato Aloe Vera.
Acho que foi uma homenagem às coisas babosas. À geopolítica. À literatura eriçada.
Ao seu poder regenerador.
Não sei.
Ao seu poder regenerador.
Não sei.