Estamos dentro da terra. Dentro do metro. Dentro da vida.
Há militares muito bem fardados por aqui. Trazem um boné na cachimónia e uma arma ao colo. Cumprimentam um menino. Apertam-lhe a mão. Dizem: Ça va?
Dá gosto vê-los. São calmeirões e prestáveis. Afastam as metralhadoras para nos deixarem passar nas escadas rolantes. Dizemos: Merci.
Lá vão as pessoas apressadas. Com as suas malas e os seus tiques nervosos. A imaginação dentro do cérebro. Dentro do crânio. Dentro do metro.
Uma bomba na mochila. Uma bomba enfiada no bolso de um casaco ou encolhida a um canto. Em contagem decrescente.
O metro chega, entramos.
Um homem toca violino e nós rodamos os olhos. No sentido dos ponteiros do relógio. Andamos fartos de pedintes. Fartos de violinos. Fartos do medo.
Saímos na estação dos eurocratas. Marchamos todos em sentido, militares e pessoas.
Todos menos um.
Quem?
Aquela ali.
Uma leitora passa por nós. Caminha leve e graciosa com o seu livro de capa preta e sacode o marcador de livros no ar.
Ficamos a observar o marcador de livros. É um retângulo de papel a abanar a cauda.
A leitora nunca olha para o chão nem para as pessoas. Avança com os olhos pousados no livro. Sai da carruagem, mete-se nas escadas rolantes. Atravessa as portas, vira à direita, sobe as escadas.
Ficamos com vontade de seguir aquela leitora. De ler aquele livro.
Qual livro?
Não sabemos. Não deu para ver.
Tinha uma capa preta.
Tinha, não tinha?
Olhamos para trás. A leitora ao fundo, nas escadas rolantes. Virou agora mesmo a página e continua a ler. Um mundo qualquer muito melhor do que este.
O marcador de livros no cimo das escadas. A acenar ao longe.