Apanhei uma molha daquelas. Eu sozinha na rua. A água a escorrer pelo queixo abaixo. A cair por terra.
Ao meu lado, aqui e ali, pequenas e grandes poças, um rio comprido e barulhento a banhar o asfalto.
Toda eu encharcada. Da ponta dos cabelos à ponta dos pés.
E passando pelo sutiã. Pelas cuecas.
Os meus óculos às pintinhas.
Foi uma precipitação algo precipitada. Espalhafatosa. Feminina.
Primeiro fingi que gostei e depois gostei mesmo.
Uma choradeira geral só para mim. Por que não?
Foi um lavar de alma suja. Um pequeno melodrama.
Entrei no prédio.
A chuva atrás de mim e a vizinha do segundo andar à minha frente.
Perguntou-me assustada e, logo a seguir, comovida: Madame, não tem um parapluie?
Eu disse: Não.
E não tenho mesmo.
Os guarda-chuvas não me gramam. Vão para outras casas, para outras terras.
Quis secar a testa e os olhos, mas não tinha como.
A minha alma completamente inundada. A minha mala embebida, os meus dedos a pingar para o chão.
A vizinha do segundo andar abriu-me a porta do elevador, carregou no botão do meu andar. Eu agradeci e depois olhei-me ao espelho.
O meu cabelo, o meu rosto, a minha roupa. O meu corpo a verter chuva, suor e ranho. Eu pensei: Eu própria sou o ciclo da água.
Uma mulher a pingar é uma grande pieguice.
Depois entrei em casa e enfiei-me no banho.
Para me molhar mais e melhor. Para me molhar aos molhos.
No final sequei o cabelo e decidi arranjar um guarda-chuva. Um muito grande ou então muito pequeno. Daqueles muito tímidos e concentrados. De trazer na mala ou então na mão.
Um guarda-chuva com abertura automática. PUM!
Carrega-se num botão e já está.
Sim!
Devia arranjar um desses. Um guarda-chuva igual a uma arma.
Eu não digo: chapéu de chuva. Eu digo: guarda-chuva. Foi uma decisão consciente.
Guarda-chuva sempre guarda o hífen. É uma palavra mais compacta. Mais reservada.
E enfim...
Sei lá.
Chapéus há muitos.