sexta-feira, 26 de setembro de 2014

Amor ortográfico: Le Typographe

Uma amiga ofereceu-me um bloco de notas. É um bloco sofisticado. Traz uma abelha elegante no cume de todas as folhas.
Infelizmente ainda não me atrevi a tirá-lo da embalagem.
Tenho medo de abelhas e não sei usar notas que não sejam peganhentas.
O bloco-abelha é o meu animal de companhia. Bebe o néctar da minha gaveta e poliniza os dias.
O meu bloco-abelha diz atrás handmade in Brussels e eu gosto disso. De ser proprietária de um bloco feito à mão. De pensar em artesãos do papel a fazer este bloco de mel só para mim.
A loja Le Typographe fica a 500 metros de casa, mas eu nunca lá entrei. 
A sofisticação intimida-me.
Fico do lado de fora a ver os cadernos da montra e também o meu reflexo por cima dos cadernos da montra. O meu cabelo está sempre torto.
Ando a namorar os cadernos Le Typographe há semanas.
Gosto de adiar o encontro, acho. De evitar a escolha. De ficar a pensar naquele caderno (naquele caderno, naquele caderno).
A verdade é que tenho cadernos que chegue, não tenho?
Tenho.
Uma caixa apinhada de cadernos, muitos dos quais ainda por estrear. Cadernos para todos os gostos. Uns pequeninos de andar na mala, outros grandes de andar por casa, outros médios para ocasiões mais… medianas.
Azar.

Quero ter um caderno a dizer Le Typographe.

Só um.
Um chega.
Um é bastante.
 
Até porque não sou de repetir cadernos. (Nem perfumes nem cremes.) Gosto de variar. Farto-me da textura. Ou da capa cintilante ou então das argolas. Na maior parte das vezes, os cadernos acabam por me desiludir. Têm buracos de um lado ou bonequinhos do outro; afinal são largos ou magrinhos; não têm o peso correto; são chatos; são tacanhos; desinspiram-me.
Quando chego ao fim de um caderno, chego mesmo ao fim: ponho-o de lado, faço tabula rasa.
A folha perfeita, aliás, é uma tabula rasa e, por isso, os meus cadernos são lisos. Não têm margens nem linhas nem quadrados.
Não gosto de limites. Gosto de escrever torto, de desalinhar. 
Os meus cadernos têm capa dura para resistirem a quedas e empurrões. Sou desajeitada e também algo bronca, não sei cuidar. Apesar da minha indelicadeza, sempre fui picky com cadernos. Gosto de os ver por dentro e por fora, de ouvir o que dizem quando se abrem, de lhes sentir o cheiro e o toque.
Há semanas que ando a namorar os cadernos Le Typographe. Os que são assim e os que são assado.
Não posso adiar mais este encontro. (Aquele caderno, aquele caderno, aquele caderno.)
Vou entrar na loja e comprar o caderno cosido à mão, de folhas opacas e macias. Ou então o caderno quadrado, aberto ao mundo. Com uma capa de tecido ou de cartão e folhas removíveis, perfeitamente lisas ou às pintinhas. Nunca escrevi em folhas às pintinhas.

Amanhã fecham às 18h.
Tenho tempo.
A loja Le Typographe vai ser a minha ruína.